Ciência e Saúde

O desafio dos pais de não ceder à "chantagem" dos pequenos

postado em 06/12/2011 11:43
Luciene, com a filha Júlia. A menina desenvolveu uma técnica para pedir presentes:
Para alguns pais, levar os filhos ao shopping é quase uma via-crucis. Em época de Natal, então, nem se fala. É criança se enroscando entre as araras das lojas, perdendo-se na praça da alimentação, correndo entre as pessoas e até se debatendo no chão em mais um episódio de birra. Os apelos, muito bem orquestrados, costumam seguir a cantiga ;Mãe, me dá isso; ou ;Pai, eu quero aquilo;. E claro, para ser mais convincente, ela vem acompanhada de muito choro, rostinhos sofridos e olhares pidões. Pode parecer difícil, mas especialistas garantem que é possível botar um fim no dramalhão desses ;atores; mirins. Segundo psicólogos, uma boa conversa e, quando necessária, a repreensão podem dar fim a toda a encenação.

Apesar da pouca idade, Júlia Azevedo sabe bem o que fazer para conseguir o que quer. ;Eu peço com jeitinho, depois faço bico. Quando não dá certo, faço a cara de buldogue. Meu pai me dá mais do que a minha mãe;, conta a menina, de 7 anos. Atenta à artimanha, a mãe, Luciene Azevedo, 34, diz que faz questão de não dar tudo o que a garotinha pede e tenta ignorar a birra. ;Tem vezes que ela se joga no chão, chora, faz um show. Eu saio andando e deixo ela para trás. Não entro no jogo dela;, ilustra.

Emanuelly explica como será o passeio para o filho, Matheus, e diz até mesmo quanto poderão gastar
Luciene conta que antes de sair de casa conversa com a filha e deixa bem claro o que vão comprar e que não é para pedir nada além daquilo, mas não adianta. ;Eu sempre durmo no carro e quando chego lá já esqueci o que ela falou para mim. Mas minha mãe não acredita, acha que faço de propósito;, garante Júlia. A mãe se lembra dos tempos de criança e conta que, por ser filha única, tinha muitas de suas vontades satisfeitas. Mas, para ganhar algo, tinha de merecer. ;É o que tento ensinar para as minhas filhas (Júlia tem uma irmã, Paula, 11 anos). A gente tem de conquistar as coisas e não ganhar porque quer, pois a vida não é assim;, diz.

A psicóloga Stela Lobato, da Academia da Criança, conta que o ideal é evitar levar as crianças às compras, pois a probabilidade de essas cenas ocorrerem é grande. ;A criança não tem noção do valor das coisas e com certeza vai querer todos os brinquedos;, diz. A especialista sabe, porém, que nem sempre isso é possível. E aí, é preciso ajustar o nível de tolerância acima do normal. De acordo com ela, é preciso ter paciência, saber ser firme e conversar sobre o que vão fazer no shopping, impondo limites antecipadamente. ;Essa preparação emocional é importante para a vida toda, só que tem gente que se deixa levar pelo nervosismo;, aponta Stela.

Segundo a psicóloga, a birra se dá pela frustração da criança em não ser atendida, por isso é importante compreendê-la. ;Quando a criança se sente compreendida, ela se transfigura, fica muito mais tranquila;, observa. Contudo, se mesmo com toda essa preparação, o pequeno der chilique, a especialista aconselha parar tudo, ir para casa e só então aplicar a correção. ;É um constrangimento para os pais. Então, o adequado é respirar fundo, tentar se acalmar para saber o que fazer. Na hora da birra, tentar brigar e repreender pode só chamar mais atenção.;

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Castigo

Artur Ferreira, 4 anos, não pode ver uma loja de brinquedos ou de guloseimas que logo quer ganhar alguma coisa. Mas, para a felicidade da mãe, Eneida Ferreira, 29, sabe ouvir não. Ela conta que o garoto gosta de olhar e mexer nos produtos, mas não faz birra. Inteligente e muito ativo, o menino sabe que, se desobedecer, sofrerá as consequências quando chegar em casa. ;Tudo começa antes de sair. Eu digo o que vou fazer e se vou ou não comprar alguma coisa, mesmo assim ele pede;, afirma.

A malcriação, por vezes, acaba ocorrendo. Nessas horas, Eneida segue a estratégia sugerida por Stela e resolve o assunto em casa. Chegando lá, ela coloca o filho no cantinho da disciplina, dica aprendida em um programa de tevê. ;Não vou expor nem a mim nem a ele, pois pode ser pior. Uma vez, estava numa loja e uma mãe puxou a orelha do filho, foi um horror, aquela choradeira toda;, lembra. ;Quando ele faz algo de que não gosto, já aviso que vamos conversar em casa;, completa. A mãe diz que sempre cumpre o que falou com o filho para que ele cresça sabendo que ter palavra é importante.

De acordo com Patrícia Serejo, especialista em processos comportamentais, no casos de chilique, os pais devem prometer o que podem cumprir, em vez de só ameaçar. ;Não adianta dizer que não vai presentear ou que vai sair do shopping se nada disso poderá ser cumprido;, avalia. Ela explica que a criança percebe essa falha e as birras e malcriações são ainda maiores, pois a criança sabe que nada terá consequências. ;Por isso, é tão importante sair de casa com tudo muito bem conversado, desde as atividades que serão feitas até as consequências para comportamentos inadequados;, sugere.

Prevenir

Por ter sido chiliquenta quando criança, Emanuelly Araújo, 24 anos, tratou de educar o filho, Matheus, 6, para não repetir a malcriação. O pai do garoto, que também costumava protagonizar cenas terríveis, apoia a medida e, juntos, eles tomam precauções pontuais para que o garoto se comporte bem. ;Nós não queremos que ele seja uma criança consumista. Então já ensinamos que as coisas custam caro e que ele não pode ter tudo o que quer;, explica. Quando sai com Matheus, ela explica tudo o que vai ocorrer e diz até mesmo o quanto eles têm para gastar. Mesmo assim, o menino não deixa de pedir e costuma fazer a pergunta: ;A gente tem dinheiro para comprar esse brinquedo?;.

Para diminuir as chances de ocorrer problemas, a psicóloga Patrícia Serejo aconselha que os passeios não sejam muito demorados, para que a criança não fique cansada e estressada. É importante respeitar os limites dos pequenos, visto que eles perdem o interesse mais rápido que o adulto, além de sentirem fome, sede e cansaço. ;É só comparar o tamanho da perna da criança e do adulto para ver quem se cansa primeiro;, indica.

De acordo com Stela Lobato, é sempre bom ter em mente que o nível de tolerância da criança também não é tão alto, pois o barulho e a falta de atividade a irritam. Nesses casos, o conselho é priorizar o tempo e planejar alguma atividade de compensação para depois das compras. ;Pode ser um lanche ou um passeio em algum brinquedo. A ideia é dar a oportunidade de a criança escolher o que quer fazer depois. Dessa forma, ela se comporta porque sabe que depois será feito algo para ela;, aponta.

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