Ciência e Saúde

Ter amigos faz com que crianças apresentem menos problemas de comportamento

Gláucia Chaves
postado em 11/12/2011 08:00
Leonardo, Vinicius e Yukamã fazem questão de manter a amizade iniciada há quase 30 anos
Um giz de cera emprestado e pronto: a amizade já está selada, como se tivesse surgido há anos. Na infância, não é preciso muito para fazer amigos. Contudo, para as crianças, cultivar relações fraternais sólidas pode significar mais do que ter com quem brincar no recreio. Segundo uma pesquisa feita pela Universidade de Illinois (Estados Unidos) e publicada recentemente na revista especializada Infant and Child Development, a alta qualidade das amizades durante o jardim de infância faz com que os pequenos tenham menos problemas de comportamento e melhores habilidades sociais no futuro ; principalmente, os meninos.

Jennifer Engle, uma das principais pesquisadoras envolvidas no estudo, diz que uma explicação para isso pode estar no fato de os garotos terem menos amigos que as meninas. Assim, uma amizade única pode ter maior impacto sobre as habilidades sociais futuras para eles. Mas ela admite: a visão de que mulheres são naturalmente mais ;comportadas; que os homens pode ter influenciado os resultados. ;Talvez os professores tenham sido um pouco tendenciosos em seus relatos sobre as habilidades sociais das meninas;, pondera. ;Pesquisas anteriores sugerem que os adultos esperam que as garotas tenham boas habilidades sociais. Os relatórios podem ter sido influenciados por essas expectativas.;

Para analisar se o comportamento das crianças era mesmo influenciado pelos coleguinhas de classe, o grupo de cientistas selecionou 567 crianças ; 289 meninos e 278 meninas ; que participavam de um programa americano voltado ao desenvolvimento infantil. Baseando-se em relatórios fornecidos pelas mães das crianças, em que elas apontavam a quantidade de amigos do filho e a qualidade dessas amizades, a equipe de psicólogas dividiu os participantes em quatro grupos: sem amigos e com amizades de baixa, média e alta qualidade. Os professores também fizeram relatos com relação à internalização e à externalização do comportamento das crianças, bem como sobre as habilidades sociais demonstradas por elas no jardim, na 1; e na 3; série.

Quando comparados, o grupo das crianças que não possuíam amigos demonstrou mais atitudes agressivas e/ou destrutivas e problemas de conduta, enquanto as que afirmavam ter colegas próximos desenvolveram melhores habilidades sociais ; como o senso de partilha, a cooperação e demonstrações de carinho. ;Ter amigos nessa idade é importante porque proporciona às crianças oportunidades de aprender e praticar essas habilidades;, resume Jennifer Engle. ;Amizades de alta qualidade são aquelas em que as crianças brincam juntas, se revezam durante as conversas e brincadeiras, dividem e resolvem conflitos pacificamente;, detalha.

União
Ligações telefônicas diárias, planos para passeios no fim de semana e até nas férias ; fora o tempo que passam em sala de aula. Desde que Vítor Morhy, 6 anos, e Victor Enrico Tolentino, 7, se conheceram na escola, não se separaram mais. A amizade já dura quatro anos e, com a chegada de Felipe Calespile e Hugo Neiva, a dupla virou um quarteto.

As mães aprovam e estimulam a relação das crianças. ;O bom é que os colegas incentivam nele a vontade de ficar na escola;, diz Luciana Morhy, 40, mãe de Vítor. ;Até peço para ela me buscar mais tarde;, conta o garoto. A integração dos meninos fez com que os pais também se tornassem amigos ; o que estreitou ainda mais os laços dos pequenos. ;Todo fim de semana, temos uma programação diferente com eles;, comenta a mãe de Victor, Juliana Tolentino, 34 anos. Almoços, visitas à casa dos avós e até viagem entram na lista de atividades, que, se depender das mães, não vão acabar nem com o fim das aulas. ;Quando eles forem para o nono ano, precisarão mudar de escola. Já combinamos de colocá-los na mesma;, conta a empresária. Para ela, a amizade das crianças significa, além da felicidade de Victor, uma tranquilidade a mais. ;Hoje em, dia não é como antigamente, que as crianças brincavam na rua;, compara. ;Não gosto de deixá-lo na rua, com crianças que não conheço os pais.;

Para o psiquiatra infantil Lúcio Simões de Lima, pequenos grupos de amigos como esse são benéficos também para a autoestima das crianças. ;Se você é uma pessoa sozinha, não tem uma boa resiliência;, frisa. ;Quando as crianças se juntam, reinvindicam mais, são mais ativas.; E não é preciso muito para saber se as amizades são mesmo sólidas. Segundo o médico, a própria natureza infantil se encarrega do recado, uma vez que crianças são seres sociáveis por natureza. ;Elas são hábeis, escolhem seu par na escola e seu par também as escolhe. É uma empatia;, explica.

Longa data
Porém, mesmo com essa facilidade, os pais também podem dar uma ajudinha. Fábio Augusto Caló, psicólogo comportamental do Instituto de Psicologia Aplicada (Inpa), ensina que as habilidades sociais das crianças dependem muito do suporte dado pelos pais durante a primeira infância. Segundo ele, o repertório de habilidades dos pequenos pode ficar prejudicado caso a interação deles não seja estimulada na fase dos 2 e 3 anos, podendo ocasionar problemas, como o transtorno fóbico-social. ;Se elas não aprendem a conviver nesse momento, serão adolescentes com dificuldades e adultos com problemas;, completa. ;É preciso um modelo. Se os pais conversam com amigos perto da criança e têm relações de amizade na própria vida, a estimulam a fazer amizades.;

Leonardo Teixeira, 32 anos, Vinicius Melo e Yukamã Dias, ambos de 31, sabem bem o que é ter amigos de longa data. Os três se conhecem há cerca de 29 anos. Na época, a Quadra 416 Norte era o palco das brincadeiras e confidências dos hoje adultos e ainda melhores amigos. ;Às vezes, passamos algum tempo sem nos ver, mas é como se tivéssemos nos encontrado ontem;, conta Leonardo, técnico em Programas Sociais da Caixa Econômica. Vinicius e Yukamã se tornaram servidores públicos e compartilham da visão do amigo.

Como nenhum relacionamento é feito apenas de simbiose, Vinicius admite que há algumas discordâncias ; porém, elas só aparecem dentro de campo. ;Eu e o Yuka temos uma rivalidade no futebol: sou Flamengo e ele torce para o Vasco;, diverte-se. Embora a vida adulta atrapalhe a frequência dos encontros, os três acreditam que conservar uma amizade tão duradoura vale a pena, em todos os aspectos da vida. ;Hoje, não tenho problema em interagir com as pessoas nem na esfera pessoal nem no trabalho, e eles também não;, resume Vinicius.

Palavra de especialista
Importância da escola

;A amizade nos obriga a fazer acordos, a saber dividir. Então, o lado cognitivo é beneficiado pelo fato de a criança ter amigos. É bom salientar que a sociedade mudou rápido. Com a diminuição no tamanho das famílias, houve também a diminuição dos espaços públicos e a escola se tornou o principal lugar onde você pode ter essa construção de amizade. Por isso, é importante investir em um ambiente propício para a formação da amizade na escola. Se não dá para as crianças brincarem na rua, os pais devem, por exemplo, levá-las ao parque. Aulas de línguas ou atividades extracurriculares não ajudam muito, pois geralmente têm tempo determinado, é tudo cronometrado e não há espaço para interação. O espaço da amizade tem que ser de interação livre, onde as atividades não sejam ditadas por adultos.;

Claudia Broetto Rossetti, psicóloga e professora do Departamento de Psicologia Social e do Desenvolvimento da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES)

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