postado em 15/12/2011 14:49
Belo Horizonte ; Explorar o desconhecido estava no sangue do norueguês Roald Amundsen (1872;1928). Inspirado pela família, por capitães e donos de navios, desenvolveu a predileção pela aventura. E, confiando nos instintos de um verdadeiro lobo do mar, ele cruzou oceanos e chegou, em 1911, ao Polo Sul. Cem anos depois do feito, completados ontem, as terras de gelo abrigam bases científicas, navios com tecnologia de ponta e pesquisadores do mundo inteiro tentando descobrir os mistérios da região austral, as influências dela no restante do mundo e vice-versa. O Brasil foi à Antártica pela primeira vez no verão de 1983, e desde então, tem contribuído para o desenvolvimento da ciência com o Programa Antártico Brasileiro (Proantar). À frente dos estudos, estão universidades e instituições de pesquisa de várias partes do país.
No centenário da chegada ao Polo Sul, não faltarão novidades. Um grupo formado por 15 cientistas brasileiros das universidades federais de Viçosa (UFV), na Zona da Mata mineira, do Rio Grande do Sul (UFRGS), Fluminense (UFF), da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) e do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), todos integrantes do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT), deu início, esta semana, à viagem científica Criosfera 1. O objetivo é instalar um módulo de pesquisas a cerca de 670km de distância do Polo Sul geográfico. O equipamento ficará 2,5 mil quilômetros ao sul da Estação Antártica Brasileira Comandante Ferraz, na Ilha Rei George. O módulo vai coletar e enviar dados climáticos para o Brasil por pelo menos quatro anos e marcará uma nova fase do Proantar. A criosfera é a massa de gelo e neve que cobre 10% do planeta e tem papel essencial no controle do clima e das correntes atmosféricas e oceânicas. Apesar da sua extrema importância, é difícil de ser visitada, estudada e entendida. Isso ocorre porque essas regiões são remotas e com condições muito hostis para o ser humano.
Até então, as pesquisas eram voltadas para o ambiente marinho e costeiro ; atualmente, há 19 sítios de acompanhamento marítimo ; e, pela primeira vez, o continente será explorado. Segundo o professor Jefferson Cardia Simões, diretor do Centro Polar e Climático (CPC) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), que lidera a expedição, será feita uma perfuração de 150 metros para coletar amostras de gelo. A expectativa é de que elas permitam conhecer as condições de temperatura de até 500 anos atrás. A pesquisa faz parte de um consórcio de 22 países.
Da Universidade Federal de Viçosa, o professor Carlos Ernesto Schaefer, coordenador do Projeto Antártica em Minas Gerais, será o responsável pela instalação, pela primeira vez, da rede de acompanhamento climático do permafrost ; água permanentemente congelada dentro do solo ;, nas montanhas transantárticas. A rede de sensores vai acompanhar o clima da região montanhosa, uma área sem qualquer estudo até o momento. Os estudos do INTC se concentrarão sobre várias atividades. Uma sondagem no gelo fará a reconstituição dos últimos 500 anos do local. Levantamentos das características químicas vão ainda datar a poluição e determinar a temperatura exata desse mesmo período, bem como calcular quantos incêndios ocorreram, por meio da análise das partículas da neve ; a queima do Hemisfério Sul se acumula em solo antártico. Também será possível medir a quantidade de radioatividade e verificar os efeitos dela nos últimos 100 anos.
;Há muitos pontos interessantes a serem estudados. Conhecemos a dinâmica climática da Antártica marítima, área que tem a maior variação de temperatura. Chegaremos a uma parte sobre a qual não temos conhecimento dos processos do clima. Acreditamos que seja completamente diferente;, afirma Schaefer. Segundo o professor, dados de pesquisadores norte-americanos dão conta de que não há qualquer tendência de aquecimento, o que torna a região, aparentemente, estável.
;A Antártica continental é a maior massa de gelo, e se ela tem estabilidade, é possível segurar massas frias e evitar que o aquecimento global aumente os níveis dos mares com o degelo. Ou seja, não está em hipótese alguma derretendo, mas aumentando o acúmulo de gelo;, ressalta Schaefer. ;O estudo é pioneiro. Há muitas pesquisas sobre geleiras, mas não sobre o gelo do solo, que é o primeiro que derrete e, portanto, o sensor mais refinado para detectar o início de mudanças;, acrescenta.
O grupo ficará em um acampamento internacional. Até as montanhas, o time responsável pela rede de sensores terá de se deslocar numa moto especial. A partir daí, os pesquisadores vão enfrentar 800 metros de subida, a pé, carregando todos os equipamentos, até uma área distante cerca de 10 quilômetros do acampamento.