postado em 21/12/2011 10:59
Cumprir as promessas feitas à população, lidar com questões orçamentárias, crises financeiras e políticas, e ainda aparecer em uma série de eventos públicos com boa aparência. A rotina de presidentes é tão cansativa e estressante que é comum causar uma multiplicação de cabelos brancos naqueles que ocupam os cargos. Não foi diferente com o mandatário dos Estados Unidos, Barack Obama, cuja cabeça grisalha e rugas viraram tema comum na imprensa americana. O tema também chamou a atenção de S. Jay Olshanky, demógrafo da Divisão de Epidemiologia e Bioestatística da Universidade de Illinois em Chicago (UIC), que se perguntou se o estilo de vida a que os líderes de países são submetidos pode fazer com que morram mais cedo. E a resposta que ele encontrou foi não, muito pelo contrário. O poder costuma ser exercido por pessoas que costumam viver mais tempo que a média das demais.
;Para minha análise, avaliei a expectativa de vida de cada presidente levando em consideração o envelhecimento acelerado desde o dia que assumiram o poder e comparei com o quanto eles realmente viveram. Dos 34 presidentes dos Estados Unidos que morreram de causas naturais ; porque excluí da pesquisa os quatro assassinados ;, 23 superaram a idade esperada, mostrando que a presidência não encurta, em geral, a vida de seus ocupantes;, detalha Olshanky, em entrevista ao Correio.
O estudo, publicado este mês no Journal of the American Medical Association, aponta que os presidentes avaliados viveram até em torno dos 78 anos, enquanto a expectativa média de vida para as pessoas de suas épocas era de 67 anos. ;Embora seja possível que os presidentes dos EUA fiquem grisalhos e com rugas mais rapidamente, as pessoas não morrem por esses fatores. Os primeiros oito líderes viveram mais ou menos 79,8 anos, em um período que a expectativa de vida no país era metade disso;, ressalta o pesquisador.
De acordo com o demógrafo, a pesquisa não indica que o cargo simplesmente forneça anos de vida a mais a quem o ocupa, mas ilustra bem os benefícios do alto status socioeconômico. Afinal, só chegaram à presidência do país pessoas com uma vida bem mais confortável que a média da população. Para o cientista político da Universidade de Brasília (UnB) David Fleischer, a conclusão de Olshanky faz sentido. ;Isso porque quando chegam à presidência, esses homens são pessoas bastante ricas, mesmo os que vieram de famílias classe média. Outra questão é que, durante o governo, eles têm acesso aos melhores cuidados médicos do período;, enumera. Fleischer destaca que Obama é uma exceção, por a família paterna dele ser de origem africana.
Fenômeno mundial
O médico Alexandre Kalache, ex-chefe do Programa de Envelhecimento e Saúde da Organização Mundial da Saúde (OMS), diz que pessoas com nível universitário, acesso a bons tratamentos médicos e a uma alimentação adequada evidentemente vivem mais tempo. E isso vale tanto para os Estados Unidos quanto para qualquer lugar do mundo, em qualquer época. ;Veja o (ex-presidente Bill) Clinton: com seu sobrepeso e passado médico de problemas no coração, possivelmente estaria morto se não tivesse tido acesso a uma cirurgia cardíaca. Esse procedimento e todo o apoio hospitalar que teve sem dúvida explicam, em grande parte, por que continua vivo;, exemplifica.
;No Brasil, veja o exemplo de Fernando Henrique Cardoso, que está com 80 anos. A maioria dos homens nascidos em 1931 morreu há muito tempo. Poucos sobreviveram e menos ainda estão tão bem de saúde como ele. Sua vida foi marcada por estresse, mas ele não apresenta nenhum sinal de envelhecimento precoce;, esmiúça. ;Fundamentalmente, isso acontece porque ele nasceu em berço privilegiado. Compará-lo com homens de sua época sem considerar o contexto em que viveram é covardia;, determina o doutor em saúde pública.
O especialista em longevidade Rodrigo de Abreu e Lima, hematologista e presidente do Grupo Acreditar, garante que as principais variáveis que contribuem com o aumento da expectativa de vida são o acesso a saneamento básico, educação e boa alimentação. ;Esses fatores fazem com que a população deixe de morrer por doenças infecciosas. Além disso, pessoas com mais condições financeiras costumam ter a possibilidade de adotar hábitos saudáveis, fazer exercícios físicos habitualmente e se alimentar melhor. Elas também apresentam menores níveis de vícios como tabagismo e alcoolismo;, detalha Lima.
Ele acrescenta que presidentes têm uma equipe médica própria, com assistência de mais qualidade do que a grande maioria da população. ;Eles são mais preparados para controlar fatores de risco e ter acompanhamento médico em qualquer ocasião, quando surge qualquer sintoma de um problema de saúde;, ressalta. Embora considere que o estresse devido à pressão do trabalho seja um fator que pode diminuir ; e muito ; a qualidade de vida, Lima afirma que essa característica pode ser administrada de forma que o indivíduo continue a ter saúde. Kalache complementa: ;Quem vive bem sob estresse tem um estímulo para continuar vivo. E há outro fator presente na vida desses líderes que certamente os ajuda na longevidade, mas é difícil de medir. Chama-se poder. Quem tem poder sabe que é bom e dele desfruta, desde que tenha vocação para tal;, afirma. Ele diz que a autoestima elevada é mais uma questão ligada à qualidade de vida de qualquer pessoa, inclusive chefes de Estado e governo.
Crítica
Segundo o ex-chefe do Programa de Envelhecimento e Saúde da OMS, o artigo relaciona a vida dos presidentes com a de analfabetos, negros ;notoriamente discriminados nos Estados Unidos ;, trabalhadores braçais, enfim, grupos de indivíduos que certamente não tiveram as mesmas condições de vida dos chefes de Estado. ;A grande falha metodológica do artigo é comparar a duração da vida de homens de alto nível educacional e socioeconômico com a de homens comuns. Para o método ser realmente correto, seria necessário avaliar qual a probabilidade de os presidentes americanos viverem tanto ou mais do que homens de mesma idade e com o mesmo nível educacional, social e financeiro de sua época;, aponta. ;Isso seria virtualmente impossível de fazer, no entanto;, pondera.
Dos 34 presidentes dos Estados Unidos que morreram de causas naturais,
23 superaram a idade esperada, mostrando que a presidência não encurta, em geral, a vida de seus ocupantes"
Jay Olshanky, demógrafo