postado em 23/12/2011 09:36
Um estudo que mostrou como o uso de medicamentos anti-HIV pode impedir a transmissão da Aids, feito com a ajuda de pesquisadores brasileiros, foi eleito pela Science como a descoberta científica mais relevante de 2011, encabeçando uma lista de 10 estudos destacados pelo periódico científico (veja quadro). Publicado em 11 de agosto pelo New England Journal of Medicine, o estudo comandado pelo professor da Universidade da Carolina do Norte (EUA) Myron Cohen revela que pessoas infectadas com o vírus, quando tomam desde cedo drogas antirretrovirais, têm 96% menos chances de infectar os parceiros. A análise, também conhecida como HPTN 052, destaca como esses remédios trazem um benefício duplo: tratar o problema de saúde e, ao mesmo tempo, evitar a contaminação de novas pessoas.Em entrevista ao Correio, Cohen afirma ter ficado ;muito feliz; ao receber a notícia da escolha feita pela Science. Ele acredita que isso se deva à ;magnitude do resultado de prevenção, que foi extraordinário;. A análise, que começou a ser feita em 2007, contou com a participação de 1.763 casais heterossexuais, sendo que, em cada um deles, apenas um dos parceiros tinha o vírus HIV. Os pesquisadores, então, fizeram com que metade dos voluntários soropositivos tomassem antirretrovirais desde o início do estudo, enquanto a outra metade só foi submetida ao tratamento com os remédios quando a taxa de linfócitos CD4 ficou abaixo de 250, o que indica um comprometimento grave do sistema imunológico.
Durante quatro anos, os casais foram acompanhados e relataram detalhes de sua vida sexual. A grande maioria (96% dos casais que receberam o remédio desde o início e 95% do outro grupo) usou camisinha em todas as relações. Em fevereiro deste ano, um grupo de monitoramento identificou que apenas 39 dos parceiros sem HIV haviam contraído o vírus, sendo que apenas um deles pertencia ao conjunto cujos cônjuges tinham sido tratados precocemente. ;Desse modo, conseguimos demonstrar que o tratamento (desde o início) praticamente parou a transmissão da doença;, detalhou Cohen. Os voluntários eram de nove países: Brasil, Estados Unidos, Índia, Tailândia, África do Sul, Zimbábue, Quênia, Malauí e Botsuana. Questionado sobre a escolha de incluir brasileiros na pesquisa, o autor da pesquisa foi taxativo: ;Porque a equipe de pesquisadores do Brasil, composta por Beatriz Grinsztejn, José H.S. Pilotto e Breno R. Santos, é excelente;.
Inibidores
O psicólogo e coordenador do Polo de Prevenção a DST/Aids da Universidade de Brasília (UnB), Mário Ângelo Silva, explica que os antirretrovirais atuam nas células de defesa do sistema imunológico, inibindo a replicação do HIV. Os medicamentos evitam, assim, a chamada imunodepressão, que facilita a ocorrência das chamadas infecções ou doenças oportunistas, que podem acelerar a morte das pessoas com Aids.
Silva concorda com a decisão da Science de eleger essa pesquisa como a mais relevante do ano. ;Tal estudo apresenta resultados muito importantes para a indústria farmacêutica. No entanto, ele não considera aspectos clínicos e comportamentais sobre o efeito dos medicamentos antirretrovirais no corpo e na vida das pessoas diagnosticadas;, pondera. ;Esses remédios contêm elementos químicos invasivos, que, além dos benefícios terapêuticos ; redução da carga viral e recuperação do sistema imunológico ;, podem desencadear reações adversas que afetam a qualidade de vida e a saúde das pessoas em tratamento;, alerta. Entre as reações mais severas estão a sobrecarga do pâncreas e do fígado, e alterações metabólicas como a lipodistria, que é o deslocamento de gordura no corpo e a redução da massa muscular.
Embora o tratamento com antirretrovirais não consiga, sozinho, acabar com a epidemia de Aids em todo o mundo, a descoberta se mostra eficiente na prevenção da transmissão quando associada a outras medidas. ;Os outros três meios comprovados de reduzir a emissão do vírus são a circuncisão, o uso de preservativos e o tratamento de outras doenças sexualmente transmissíveis;, relata o autor da pesquisa. Silva acrescenta à lista a melhoria do nível de informação sobre o vírus, a escolha do parceiro sexual, o acesso a testes anti-HIV e o combate ao preconceito contra pessoas soropositivas, à desigualdade de gêneros e à violência sexual.
Segundo Cohen, ele e sua equipe continuam a trabalhar no estudo, a fim de determinar a durabilidade da prevenção. Por isso, todos os casais avaliados continuam a participar do projeto. ;Também começamos a observar a adaptação do uso do medicamento na comunidade;, acrescenta. Silva acredita que, além da continuação dos testes, são necessárias, na luta contra a Aids, ;pesquisas sobre o presente e o futuro da epidemia no Brasil e no mundo;. ;O destaque dessa análise revela os interesses da indústria farmacêutica dedicada ao estudo e à produção de medicamentos antirretrovirais, mas não deixa de ser uma referência importante para a ampliação dos conhecimentos e definição de estratégias de enfrentamento da doença;, afirma o psicólogo.
Ranking
Conheça as pesquisas que ocupam as posições de 2 a 6 no ranking da Science:
A missão Haybusa - A nave espacial japonesa Haybusa trouxe para a Terra, neste ano, amostras de poeira da superfície do asteroide Itokawa. Esse material é a primeira amostra de um corpo planetário trazida ao planeta nos últimos 35 anos. Ao analisar essas partículas, cientistas descobriram que a maioria dos meteoritos que cai na Terra, os condritos, vem de corpos celestes que faz parte do cinturão de asteroides ; localizado entre Marte e Júpiter.
As origens da humanidade - Uma série de pesquisas iniciadas em maio de 2010 revelam que grande parte dos humanos ainda carrega variantes de DNA herdadas de seus ancestrais na África e na Ásia. Uma das pesquisas mostra que europeus e asiáticos herdaram entre 2% e 6% do núcleo de seu DNA dos neandertais. Outro estudo revelou todo o genoma dos Denisovanos, na Sibéria, apontando que 5% de seu DNA são encontrados nas pessoas nascidas no sudeste da Ásia.
Proteína fotossintética - Pesquisadores do Japão mapearam a estrutura do Photosystem II (PSII), proteína que as plantas usam para partir a molécula de água em átomos de hidrogênio e oxigênio. Essa proteína contém quatro átomos de manganês, cinco de oxigênio e um de cálcio. Essa estrutura é essencial para a vida na Terra e, segundo os pesquisadores, pode ser uma fonte importante para o desenvolvimento de energia limpa.
Gás primitivo no espaço - Em novembro, astrônomos descobriram, ao usar o telescópio Keck, no Havaí, duas nuvens de gás hidrogênio que parecem ter mantido sua formulação química original, mesmo 2 bilhões de anos após o big bang. Uma outra equipe de pesquisadores identificou uma estrela na Via Láctea que praticamente não contém metais, como deviam ser as estrelas mais antigas do universo. Ambos os estudos mostram que ;pacotes; de gás primitivo se mantiveram praticamente intactos em meio a explosões cósmicas.
Micróbios no corpo humano - Um consórcio europeu comprovou que as pessoas têm uma bactéria dominante entre as que existem no sistema digestivo ; bacteroides, prevotella ou ruminococcus ;, de acordo com seus hábitos alimentares. A descoberta ajudou a compreender a relação entre o que se come e a ação dos micróbios na nutrição e na causa de doenças.