postado em 06/01/2012 08:00
West Lafayette (EUA) ; Os padrões de pensar, sentir e agir de uma pessoa formam a sua personalidade, ou seja, o conjunto de características marcantes que compõem sua singularidade. É amplamente aceito que os traços pessoais, depois dos 30 anos, tornam-se bastante estáveis. Uma das teorias ; há outras ; defende que a personalidade pode ser dividida em cinco fatores: extroversão, amabilidade, meticulosidade, neuroticismo e abertura para novas experiências.Segundo estudo desenvolvido por pesquisadores da Universidade Johns Hopkins, publicado no Journal of Psychopharmacology, é possível imprimir alterações positivas na personalidade das pessoas com uma única dose de substância psicodélica, em ambiente controlado, sob supervisão terapêutica. Eles fizeram a experiência usando a psilocibina, ingrediente psicoativo de alguns cogumelos, e verificaram que ela pode provocar mudanças duradouras ; notavelmente no domínio chamado ;abertura para novas experiências;, que engloba o gosto estético, a sensibilidade, a imaginação, a fantasia, o pensamento abstrato, a criatividade, a tolerância e os valores.
As mudanças, medidas por um inventário de personalidade validado cientificamente, foram mais significativas do que as transformações comumente observadas em adultos saudáveis durante décadas de experiências de vida. ;Normalmente, a abertura para novas experiências tende a diminuir à medida que as pessoas envelhecem;, lembra o pesquisador Roland Griffiths, que liderou o estudo.
Resistência
Não é fácil realizar pesquisas com drogas psicodélicas. Depois de banidas no fim da década de 1960, em decorrência da política pública de combate às substâncias psicotrópicas, elas só puderam voltar a ser estudadas devido ao prestígio, ao talento e à persistência de cientistas como Griffiths, professor do Departamento de Psiquiatria e Neurociências da Escola de Medicina da Universidade Johns Hopkins, onde trabalha há mais de 40 anos.
Aos poucos, um grupo seleto de especialistas tem conseguido reconquistar a confiança de organizações governamentais como a FDA, agência federal reguladora de remédios e alimentos dos Estados Unidos. Verbas para essa pesquisa vieram do Instituto Nacional de Saúde (NIH), e também houve ajuda significativa do setor privado e de organizações científicas como o Instituto de Pesquisa Heffter, que se esforça para oferecer apoio e devolver legitimidade a esse campo de investigação. Nas décadas de 1950 e 1960, os estudos clínicos com alucinógenos indicaram que eles poderiam ser grandes ferramentas psicoterapêuticas para a psiquiatria e a psicologia clínica.
De Baltimore, nos Estados Unidos, Roland Griffiths explica à reportagem que passou a maior parte de sua carreira pesquisando as drogas de abuso e a natureza do vício, por meio da investigação da farmacologia do comportamento de animais e seres humanos. Há 17 anos, começou a praticar meditação, que o alçou a uma nova perspectiva e o fez se interessar pela natureza da experiência mística e da transformação espiritual. Ele começou a investigar a bibliografia existente e verificou que na década de 1960 foram realizados experimentos com alucinógenos clássicos, tendo sido notado que esses podiam desencadear experiências místicas. Isso chamou sua atenção, e ele montou um estudo destinado a examinar o efeito da psilocibina em participantes selecionados entre voluntários que nunca haviam feito uso de drogas psicodélicas.
Vivências místicas
O primeiro estudo, realizado em 2008, provou que a psilocibina era altamente capaz de provocar experiências místicas, medidas de acordo com a psicologia da religião, utilizando como parâmetro relatos de vivências místicas espontâneas. ;Os resultados me surpreenderam;, diz Griffiths. ;Eu duvidava que esse tipo de experiência pudesse ser induzido por substância psicodélica. Mas os resultados foram claros e impressionantes. Por todos os instrumentos de mensuração disponíveis, as experiências místicas provocadas pela psilocibina eram semelhantes às ocorridas espontaneamente. Elas tinham significado pessoal e espiritual persistente. Até 14 meses depois da sessão experimental, as pessoas ainda classificavam o que tinham vivido como um dos eventos mais significativos de suas vidas;, relata.
A surpresa resultou em novos projetos de pesquisa, para que se pudesse compreender as inúmeras implicações dessa descoberta. O último resultado desse caminho que se descortinou foi publicado há pouco no Journal of Psychopharmacology: uma única dose de psilocibina pode provocar mudanças na personalidade. É importante ressaltar que a montagem do experimento exigia pelo menos oito horas de preparação dos participantes e um longo procedimento de avaliação de suas personalidades. E um monitor acompanhava o voluntário durante todo o tempo de duração da sessão experimental.