Ciência e Saúde

Pesquisadores acreditam que eletrônicos não interferem no descanso humano

Pesquisadores australianos provocam controvérsia ao sustentar que avanço de equipamentos tecnológicos, como celulares e tablets, não interfere na qualidade dos períodos de descanso

Gláucia Chaves
postado em 07/01/2012 08:00

Do tipo de alimento consumido no jantar às preocupações rotineiras, vários fatores podem influenciar diretamente na qualidade do sono de um indivíduo. Para quem, contudo, além das variáveis do dia a dia, ainda tem o costume de acrescentar a televisão ou o computador aos hábitos noturnos, resta a dúvida: a tecnologia atrapalha o sono? Publicada na edição de dezembro do Medical Journal of Australia, uma pesquisa feita pela Universidade de Sydney, na Austrália, demonstrou que os australianos não estão dormindo menos por conta da tecnologia. Por meio da comparação de dados obtidos no levantamento da agência Australian Bureau of Statistics dos anos de 1992, 1997 e 2006, os pesquisadores descobriram que, em 1992, os adultos dormiam em média 8 horas e 20 minutos por noite.

Após fazerem ajustes para levar em consideração os fins de semana e diferentes épocas do ano, como o período em que as pessoas geralmente estão em férias e, por isso, dormiriam mais, independentemente da tecnologia, os autores da pesquisa descobriram que a média de sono da população não havia sofrido mudanças significativas ; com exceção das pessoas com 65 anos ou mais, que dormiam 12 minutos a menos do que em 1992. Mesmo com os avanços e a popularização de apetrechos tecnológicos de 1997 para 2006, no primeiro ano da medição as pessoas dormiam, em média, 8 horas e 33 minutos por noite. No segundo momento do questionário, em 1997, o número ficou em 8 horas e 33 minutos, enquanto que, em 2006, as pessoas costumavam dormir, em média, 8 horas e 30 minutos.

No trabalho, o psicólogo Nicholas Glozier, que conduziu o levantamento, diz que ;as preocupações com a saúde pública com a duração do sono em declínio não parecem justificadas;, uma vez que ;o tempo alocado para dormir por adultos australianos parece ter resistido aos desafios da mudança social e tecnológica durante esse período;. Apesar de não terem um acesso tão facilitado às novidades tecnológicas, pessoas de baixa renda tendem a dormir 17 minutos a menos que as demais, descobriram os pesquisadores.

Indivíduos com ensino superior, maior renda, mais horas de trabalho diário e dois ou mais filhos foram os que dormiam por mais tempo ; aos fins de semana, essas pessoas teriam quase 40 minutos a mais para dormir. Para os especialistas, os resultados obtidos com o levantamento foram positivos, na medida em que provam que, pelo menos na Austrália, as pessoas estão um pouco mais distantes de diversas doenças associadas à privação do sono, como ;morte prematura, problemas cardíacos, obesidade, problemas de saúde mental e acidentes;.

Segundo os próprios especialistas, contudo, a questão ainda não tem uma resposta definitiva. De acordo com o levantamento Sleep in America, feito em 2011 pela The National Sleep Foundation (NSF), organização sem vínculos com o governo americano, a tecnologia atrapalha ; e muito ; a qualidade do sono das pessoas. Ao todo, 43% dos americanos entre 13 e 64 anos afirmaram que raramente têm uma boa noite de sono em dias de semana. Problemas como roncar ou acordar várias vezes durante a noite e muito facilmente, além do cansaço pela manhã, foram os problemas que 60% dos entrevistados frisaram como os mais comuns. Ao mesmo tempo, os norte-americanos são também usuários frequentes de tecnologia: 95% dos questionados admitiram usar algum tipo de equipamento eletrônico como televisão, computador, videogame ou celular pelo menos algumas noites por semana e uma hora antes de ir dormir.

Insônia virtual
No Brasil, a situação não é muito diferente. Gema Galgani Duarte, psicóloga da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em São Paulo, e autora da pesquisa Hábitos de vida e queixas de sono em um grupo de jovens universitários, entrevistou 160 jovens de 15 e 18 anos a fim de descobrir se o tempo que passam em frente ao computador tem influência em como eles dormem à noite. De acordo com o trabalho, em dias úteis, o horário de maior ;movimento; cibernético ocorre entre as 17h e as 3h da madrugada. Aos fins de semana, essa faixa passa a ser entre as 18h e as 6h. Por conta desses hábitos, 66,25% dos adolescentes ouvidos foram classificados como ;maus dormidores;.

Segundo Gema, embora a televisão tenha a sua parcela de culpa, o grande vilão do sono é mesmo o computador. ;Toda pessoa exposta à luz durante o período em que está metabolizando a melatomina (hormônio responsável pelo sono), entre as 22h e a meia-noite, terá essa metabolização prejudicada;, explica a psicóloga. Gema explica ainda que o fato de o indivíduo ficar mais perto do computador que da televisão também é um dos fatores que influenciam nessa interferência, uma vez que a incidência de luz é mais intensa. ;A interação com o computador também é muito maior que com a televisão. Isso provoca uma atividade mental e intelectual que prejudica ainda mais o sono;, completa.

Attílio Melluso, médico especialista em distúrbios do sono, explica que é possível minimizar os efeitos da iluminação dos aparelhos eletrônicos com atos simples, como a instalação de um filtro na tela do computador. ;O filtro funcionará como uma barreira ao tipo de onda que provoca a ativação do córtex cerebral, que, por sua vez, provoca a vigília;, completa. Segundo ele, fazer pequenos intervalos do uso do computador também é uma boa ideia para todos que querem ter um sono tranquilo sem ter que abrir mão da web. ;Uma pausa de meia hora a cada 50 minutos passados em frente ao monitor já é suficiente;, ensina. No caso dos telefones celulares, ele diz que o que interfere mesmo no tempo de sono são as mensagens de texto. O jeito, então, é manter o aparelho desligado durante a noite.

O pesquisador do Departamento de Psicobiologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) Gabriel Natan Pires também defende que é possível usufruir das vantagens tecnológicas sem que para isso seja preciso passar a noite em claro ; e o dia seguinte com sono. Para ele, o que prejudica o sono não é a tecnologia em si, mas o uso que se faz dela. Como exemplo, ele cita aplicativos direcionados à melhora da qualidade de sono (veja quadro), que não só se propõem a avaliar os padrões noturnos de cada um, como prometem melhorar a qualidade do sono dos usuários. Ele admite, contudo, que mesmo essas ferramentas apresentam suas desvantagens. ;Eles trazem o prejuízo relacionado à interatividade, exigindo do usuário que mantenha certo nível de vigília sustentada para fazer uso do aparelho;, justifica. ;Portanto, o uso destes aplicativos muitas vezes torna-se incoerente, pois eles visam promover o sono por meio de aparelhos excessivamente interativos.;

Raphael Santos Pinto, 24 anos, técnico em informática e segurança, defende que uma boa organização pessoal é suficiente para não acordar cansado no outro dia, mesmo com tantas horas dedicadas às bugigangas tecnológicas. ;Se eu dormir seis horas, acordo sempre bem. Acordo às 8h, então desligo o computador à 1h, para garantir.; Embora só assista a televisão em raríssimas ocasiões, ele diz que o computador é seu braço direito na imensa maioria do dia. Além das oito horas diárias no trabalho, ele conta que, por várias vezes, precisou levar computadores de clientes para consertar em casa. ;Às vezes, eu nem o desligo à noite. Deito na cama e apago com ele ligado mesmo, principalmente quando estou fazendo o download de alguma coisa;, conta.

"O tempo alocado para dormir por adultos australianos parece ter resistido aos desafios da mudança social e tecnológica durante esse período;

Nicholas Glozier, psicólogo e líder do estudo

"Toda pessoa exposta à luz durante o período em que está metabolizando a melatomina (hormônio responsável pelo sono), entre as 22h e a meia-noite, terá essa metabolização prejudicada;

Gema Galgani Duarte, psicóloga da Unicamp e autora de um estudo sobre hábitos de sono em jovens universitários

Mais estímulos, menos descanso

O corpo humano existe há milhares de anos. Quando você o estimula com luz, é como se ele estivesse vendo o sol, então ele reage da forma mais básica e primitiva, que é ficar acordado, por isso existe a tendência de o corpo postergar o sono. Cada vez mais, a tecnologia aumenta a quantidade de estímulos no ser humano. Desde o início do século 20, com a criação dos centros urbanos, a iluminação permitiu que as pessoas se sentissem mais seguras e participassem da vida na cidade, o que acabou fazendo com que o tempo de sono diminuísse. Estamos tão vidrados com a tecnologia, com a quantidade de canais na televisão e com a internet que estamos dormindo menos do que o corpo necessita.

O organismo vive uma transição. As pessoas vivem no corpo de um animal que passa por evoluções, e o ritmo de vida do animal é diferente. Quando você se priva de dormir, reduz os reflexos e se acidenta mais facilmente. Pessoas com insônia crônica, ou seja, mais de três vezes por semana e por mais de um mês, têm 250% mais riscos de acidentes de carro. Quem trabalha em turnos noturnos tem quatro vezes mais risco de sofrer acidentes de trabalho, adoecem mais, podem ter mais câncer. Mas os estudos do sono são relativamente recentes, mas há cada vez mais pesquisas sobre a percepção das oito horas recomendadas de sono e como isso está entrelaçado com as atividades e com a qualidade de vida.

Dirceu Valladares Neto,
psiquiatra especialista em medicina do sono e diretor de comunicação da Fundação Nacional do Sono

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