Ciência e Saúde

Cães compreendem o que dizemos a eles por meio dos gestos e do tom de voz

postado em 09/01/2012 08:30
Comparar a inteligência de cachorros com a das pessoas pode soar bastante ofensivo, mas foi justamente o que fizeram pesquisadores húngaros. E a conclusão é surpreendente. Segundo eles, o melhor amigo do homem tem capacidade comunicativo-social equivalente à de crianças entre 6 meses e 2 anos. Isso significa que os cães, embora não compreendam a linguagem verbal ; assim como os pequenos, no começo da infância ; assimilam, por gestos e olhares, o que as pessoas desejam expressar.

Para realizar a pesquisa, publicada na mais recente edição da revista científica Current Biology, os cientistas liderados pelo psicólogo József Topál, do Instituto de Pesquisas Psicológicas da Academia de Ciências Húngara, analisaram a reação de 29 cachorros a dois vídeos em que uma pessoa os cumprimentava e depois se virava para um dos dois objetos que também eram focalizados pela câmera. No primeiro, uma mulher olhava diretamente para a câmera (dando a impressão de olhar para o animal) e o saudava de maneira alegre, como se cumprimentasse uma criança. No outro, ela apenas dizia ;olá, cachorro; em voz baixa e evitava contato visual. Todas as cobaias olharam por longo tempo (cerca de 2 segundos) para a direção apontada pela mulher no primeiro vídeo, mas apenas passaram os olhos no objeto indicado por ela na segunda gravação, sem ter a intenção de observá-lo realmente.

O criador Paulo Chianca (E), com o sócio Johann Gerkman e alguns de seus cães:

Em entrevista ao Correio, Topál afirma que o experimento reforça a conclusão de pesquisas anteriores sobre a sensibilidade dos cachorros ao comportamento comunicativo humano. ;Os cães são sensíveis a estímulos que sinalizam a intenção de o indivíduo interagir. A eficiência dessa ligação entre ambos certamente pode ser melhorada ser for baseada em um sistema de treinamento;, garante. ;No estudo, percebemos que esses bichos, em uma situação de seguir o olhar do indivíduo, apresentaram um padrão visual similar ao de bebês com 6 meses. Isso significa que, embora geralmente prefiram fixar a vista em objetos específicos, esse viés não se reflete em seus primeiros olhares;, explica. Além dessa característica, o estudo sugere que a atenção dos cães e sua capacidade de entender gestos que indicam alguma direção são similares às de crianças com pouco menos de 2 anos.

Sem vergonha
Segundo a médica veterinária Christine Martins, do Hospital Veterinário da Universidade de Brasília (UnB), já é senso comum que os cães, quando treinados, respondem a estímulos verbais. ;Mas normalmente isso é feito mediante reforço positivo, ou seja, se você fala ;senta; e mostra para o animal o que você quer que ele faça e lhe dá um agrado, como comida ou carinho, facilmente ele vai reagir àquela palavra da maneira desejada na vez seguinte;, comenta. Ela ressalta que a conclusão do estudo de Topál é que os cachorros entendem não as palavras que os humanos falam, mas a intenção delas. ;Qualquer proprietário sabe que ao se comunicar com um cão, assim como com um bebê que ainda não fala, o segredo está no tom de voz e não especificamente no que se diz;, completa.

Para Christine, é interessante o fato de a pesquisa destacar a capacidade dos cachorros de se fixarem nos olhos de seu dono ou instrutor e, assim, entender intenções a ações distintas do indivíduo. ;Isso é relevante porque nós, humanos, valorizamos muito o olhar, percebemos nele os sentimentos de quem conhecemos bem;, afirma. A veterinária acredita que o maior mérito do estudo é destacar a necessidade de as pessoas interagirem mais com seus cães e não terem vergonha de conversar com eles, pois, embora não entendam o que os indivíduos falam, compreendem os sentimentos por trás das palavras.

A ligação do veterinário e criador de cachorros Paulo Chianca, 44 anos, com seus nove cães é muito forte, e a comunicação, bem estabelecida. Ele destaca que, para que a compreensão entre dono e cachorro seja possível, ambos precisam ter relação próxima, baseada na confiança, no respeito e no afeto. ;É importante estabelecer uma linguagem comum a ambos, desenvolvida com paciência, recompensa e repetições;, complementa. Chianca assegura que seus cães olham diretamente em seus olhos, de modo a entender corretamente a mensagem a ser passada. ;E é incrível como eles conseguem, assim, compreender minhas necessidades, meu comportamento, se estou alegre ou triste, se aprovo ou não alguma atitude deles;, cita.

Apaixonado pelos animais, Chianca crê que a pesquisa húngara traz luz ao entendimento de como criar e tratar seus bichos de estimação. ;De acordo com minhas experiências, os animais que vivem em um grupo específico, independentemente da raça ou do tamanho, desenvolvem uma linguagem ; seja física ou sonora ; entre eles. Por isso, certas palavras de comando que eu uso são facilmente absorvidas por eles, mas não por outros cães fora do nosso convívio;, detalha.

Ele se lembra de quando uma de suas cadelas morreu após uma cirurgia. ;Eu fiquei arrasado e meus cachorros sentiram isso, perceberam meu desespero. Por isso, chegavam perto de mim de maneira carinhosa e deitavam ao meu lado, como se fosse uma forma de dividir a dor da perda;, lembra. O sócio dele na criação dos animais, Johann Veras Gerkman, 28 anos, respalda o comentário: ;Os bichos nos respeitam e percebem quando estamos mais nervosos, por exemplo. Se eles veem que o Paulo está ocupado ou ansioso, vêm atrás de mim, para não incomodá-lo;. Gerkman compara que, às vezes, os cachorros são mais compreensivos do que os seres humanos.

Proximidade

A orientadora educacional Ítala Carneiro Lemos, 27 anos, convive há quase três anos com a cadela Maria Quitéria, apelidada de Kiki. ;Desde bebezinha ela aceita bem os meus comandos. No começo, tivemos problemas da adaptação, mas hoje em dia tudo é tranquilo. Só de eu olhar para ela, a Kiki já entende o que é para fazer, se é para me seguir ou não.; Ela conta que realmente sua cadela consegue notar, pelos gestos, olhares e comportamento, quando Ítala quer ficar mais sozinha, quando precisa de carinho ou quando está disposta a brincar. ;Se estou mais triste, ela se aproxima e fica me lambendo. Mas se percebe que estou irritada, se afasta e fica quietinha;, relata. De acordo com a orientadora educacional, o convívio de ambas é tão estreito que a cadela consegue compreender mais as necessidades da dona do que alguns colegas menos próximos, por exemplo.

;O que devemos sempre lembrar é que ela é um animal e, portanto, tem suas limitações. Embora tenha essa comparação da pesquisa com crianças pequenas, já que elas ainda não falam e o contato é mais visual, não dá para achar que cachorro é gente;, pondera. Ítala determina que dar carinho para os bichos é tão importante quanto fornecer-lhes água e alimento. ;Às vezes, o ser humano cobra amor do cachorrinho, mas não lhe dá amor e cuidado de volta;, lamenta, acrescentando que qualquer ser vivo deve ser bem tratado. Chianca concorda com ela: ;O grande erro das pessoas é humanizar demais seus animais, querer que eles ajam como seres humanos. É preciso lembrar que eles têm instintos e necessidades próprias, pois só levando isso em conta a convivência será positiva;.

De acordo com o veterinário Bruno Alvarenga, do Hospital de Clínicas Veterinárias, é interessante que um grupo de pesquisadores comprove por métodos científicos a interação direta entre bichos de estimação e seus donos. ;Percebo que os cães têm uma capacidade cognitivo-social considerável e me parece plausível equivalê-la à de uma criança;, salienta. ;Porém, são muitas as raças e cada uma tem um nível de atenção e obediência diferente;, atenta o veterinário. ;Eu costumo avisar meus clientes sobre seus cães: ;Ele é como uma criança, precisa de orientação para ser um adulto educado;;, conta Alvarenga. Ele espera que essa pesquisa ajude a fazer com que os ;céticos que ainda veem o cachorro como um objeto decorativo mudem o tratamento com seus companheiros;.

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