Ciência e Saúde

Para antropóloga, no Brasil, a aparência é vista como um capital pessoal

postado em 10/01/2012 10:47

O corpo representa um capital? Segundo a escritora, antropóloga e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Mirian Goldenberg, no Brasil, sim. Após conduzir uma pesquisa sobre como os brasileiros enxergam e lidam com o envelhecimento, ela concluiu que, no país, diferentemente do que ocorre em outras culturas, o passar dos anos significa perder, pouco a pouco, o valor conferido ao corpo. Dessa forma, o processo pode significar medo e angústia, especialmente para as mulheres.

Felizmente, com o envelhecimento vem também a maturidade, e muitas pessoas percebem que os anos a mais podem trazer felicidade. O sentimento negativo é, então, substituído por uma sensação de alegria e liberdade. As mulheres se sentem mais elas mesmas, observa a pesquisadora, enquanto os homens descobrem o prazer do convívio familiar e das amizades.

As observações e reflexões de Mirian e de outras especialistas no assunto resultaram no livro Corpo, envelhecimento e felicidade (Editora Civilização Brasileira), no qual é debatida a busca por satisfação pessoal feita pelos brasileiros com mais de 50 anos, contingente que cresce rapidamente e, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), deve atingir, em 2025, a marca de 66,5 milhões de pessoas.

Nascida em Santos, no litoral paulista, Mirian Goldenberg, 55 anos, vive desde 1978 no Rio de Janeiro, onde leciona e pesquisa no Departamento de Antropologia Cultural e no Programa de Pós-graduação em Sociologia e Antropologia do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ. Concentrando suas pesquisas em temas como gênero, corpo, envelhecimento, sexualidade e novas conjugalidades na cultura brasileira, sua vasta bibliografia inclui títulos populares como Por que homens e mulheres traem?, Toda mulher é meio Leila Diniz, Os novos desejos e Infiel: notas de uma antropóloga.

"Aqui, aos 30, as mulheres já se sentem envelhecendo, e falam muito da decadência do corpo e da falta de homens. Em uma cultura em que o corpo é um capital, o envelhecimento é percebido como um momento de perdas;

;As mulheres têm muito mais medo do envelhecimento, preocupam-se demais com a aparência, fazem loucuras para permanecerem jovens. Os homens só se sentem envelhecendo quando têm alguma limitação física concreta;

;Nunca fiz plásticas, botox, preenchimentos etc., mas cuido da minha saúde. Procuro caminhar todos os dias e gosto do meu corpo e da minha energia. Pretendo continuar produzindo muito, que é o que me faz mais feliz;



A senhora tem uma vasta produção nas áreas de gênero, relacionamentos e sexualidade. Como surgiu o interesse de se dedicar ao envelhecimento?
O tema surgiu quando eu pesquisava a importância do corpo no Brasil. Dei inúmeras palestras aqui e no exterior defendendo a ideia de que, no Brasil, o corpo é um verdadeiro capital. Pesquisando as mulheres alemãs, descobri que lá, aos 60 anos, elas estão no auge de sua vida profissional e pessoal. Aqui, aos 30, as mulheres já se sentem envelhecendo, e falam muito da decadência do corpo e da falta de homens. Em uma cultura em que o corpo é um capital, o envelhecimento é percebido como um momento de perdas. Foi essa questão que me fez estudar o envelhecimento.

Que fatores causam a perda desse capital?
São vários, que vão desde o estigma e os preconceitos que cercam a velhice até o medo das doenças e da solidão. Outra queixa relatada é a sensação de que nos tornamos invisíveis com o passar dos anos e a chegada da velhice.

Mas a velhice também tem suas vantagens?
Inúmeras, caso você tenha saúde e dinheiro para ter uma vida confortável, como ocorre com milhões de brasileiras: maior segurança, confiança, maturidade, sabedoria para priorizar o que é realmente importante, possibilidade de focar em si e não no outro e, principalmente, maior liberdade de escolhas.

Existe alguma diferença substancial na forma como homens e mulheres lidam com o envelhecimento?
Existe. As mulheres têm muito mais medo do envelhecimento, preocupam-se demais com a aparência, fazem loucuras para permanecerem jovens. Os homens só se sentem envelhecendo quando têm alguma limitação física concreta. Elas sentem-se velhas muito mais cedo do que eles e investem desde cedo na luta contra o envelhecimento. Eles só se preocupam quando realmente alguma limitação física os impede de continuar como sempre foram. Eles mudam muito pouco, continuam usando as mesmas roupas e fazendo as mesmas coisas. Elas mudam as roupas, o corte de cabelo e o comportamento.

Nos últimos anos, observou-se uma grande mudança de comportamento. Ter 50 anos hoje não é o mesmo do que há algumas décadas. Perceber e lidar com essa ressignificação da idade ainda é um problema?
Os comportamentos mudam rapidamente, mas os valores e as crenças custam muito a se transformar. Uma mulher de 50, 60, 70 anos hoje pode ser vista como uma mulher fisicamente ainda muito jovem, mas ela se sente velha. É o que chamo no livro de ;coroas de miséria subjetiva;. As mulheres brasileiras nunca foram tão poderosas objetivamente, inclusive fisicamente, mas o medo de envelhecer ainda é enorme, como se elas não percebessem que ainda vão viver muitos anos e podem viver muito bem. Elas só começam a perceber isso bem tarde. Aos 60, 70 anos elas dizem: ;É a primeira vez que posso ser eu mesma, é a primeira vez que me sinto livre e uso o meu tempo para mim. Antes, vivia para os outros. Pena que descobri o valor da liberdade tão tarde. Poderia ter sido bem mais cedo e eu teria aproveitado muito mais a vida;.

Então há um caminho para que a velhice deixe de ser encarada como um peso.
Sim. As mulheres são mais felizes quando envelhecem em função da liberdade que conquistam. Já os homens, passam a valorizar a casa, a vida familiar, a esposa, os filhos, os netos. Assim, os dois ganham algo que esteve ausente na vida deles quando jovens: os dois se sentem mais felizes.

Passado esse período de medo, a visão do próprio corpo, entre as mulheres, continua a ser negativa e cheia de receios?
Não, as mulheres passam a olhar outros valores e conquistas, e deixam de se preocupar tanto com a aparência ou com o corpo como capital. Valorizam mais a saúde, o bem-estar, a qualidade de vida. A maior parte das mulheres, é claro. Óbvio que tem aquelas que querem se congelar e fazem tudo para parecer mais jovens, contudo a maioria se liberta da ditadura da aparência.

Durante muito tempo, envelhecer era uma fase da vida assombrada pelo fantasma da solidão. Filhos se mudavam, os amigos se perdiam. Hoje persiste esse problema?
Não, pelo menos entre os velhos que pesquiso. As mulheres têm amigas, saem muito, viajam, fazem cursos, dançam, cantam, estudam. Os homens ficam mais voltados para a família e ainda têm os que cultivam os amigos. Certamente os amigos são fundamentais nessa fase da vida.

A senhora pesquisou pessoas de 50 a 90 anos, uma ampla faixa etária. Existem diferenças dentro desse grupo, ou os problemas, em linhas gerais, são os mesmos?
Apesar de algumas semelhanças, existem diferenças substanciais ao longo do período. Logicamente, os de mais de 80 anos falam muito do fim. A morte dos amigos e familiares é um problema muito mais presente. Já os de 50, 60 anos ainda têm muito tempo para viver a liberdade conquistada e para aproveitar a vida.

E em seu caso? Munida de todas as informações, como a senhora encara a passagem do tempo?
Fiz 55 anos em dezembro e posso dizer que este é o melhor momento da minha vida, profissionalmente e pessoalmente. Estou muito mais feliz, trabalho como nunca, procuro dar mais risadas e enxergo a vida com mais segurança e maturidade. Lógico que tenho muitos medos, mas minha vida está muito melhor, em todos os sentidos. Nunca fiz plásticas, botox, preenchimentos etc., mas cuido da minha saúde. Procuro caminhar todos os dias e gosto do meu corpo e da minha energia. Pretendo continuar produzindo muito, que é o que me faz mais feliz. Por enquanto, percebo muito mais os ganhos do envelhecimento do que as perdas. Tomara que eu continue a viver o meu envelhecimento dessa forma.

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