Ciência e Saúde

Problemas com próteses de silicones francesas e holandesas causam polêmica

Problema reacende o debate sobre a segurança do material usado e as eventuais consequências nocivas para a saúde da mulher

Luciane Evans
postado em 13/01/2012 10:27

Belo Horizonte ; Desde que se popularizou, dos anos 1990 para cá, o uso do silicone para fins estéticos alçou status de sonho de consumo, mas despertou críticas severas. De uma forma ou de outra, transformou a cirurgia plástica em evento quase cotidiano ; alcançou o superlativo número de 100 mil implantes nas mamas por ano no Brasil. Recentemente, virou protagonista de uma polêmica que assusta: até que ponto implantar uma prótese, para aumentar ou até mesmo substituir uma mama, é seguro? Há quem tenha usado o silicone para aumentar até aquele que disputa com os seios a atenção de muitos brasileiros: o bumbum.

Quando o material virou febre, muitos médicos contra a prática alertavam, com o que parecia ser apenas um alarmismo preconceituoso, que o resultado disso seria visto a longo prazo. Não demorou para o tempo lhes dar razão. Nos últimos dias, o mundo foi informado de que o silicone da marca francesa Poly Implant Proth;se (PIP), muito utilizado até no Brasil, era preenchido com material diferente daquele que havia sido registrado para uso em produtos para a saúde.

Em março de 2010, as irregularidades na produção da prótese foram detectadas pela agência sanitária francesa, o que resultou na falência da empresa, fundada em 1991 no sul da França e considerada uma das três maiores produtoras do material no mundo. Desde 2008, ela estava sendo investigada. No Brasil, as próteses foram suspensas em seguida, ainda em 2010, e tiveram seu registro cancelado em 30 de dezembro do ano passado. Ainda não se tem prova concreta de que o vazamento da prótese cause alguma patologia, como o câncer, apesar de 20 francesas que usaram o PIP terem o diagnóstico da doença.

;O que ocorreu é mais do mesmo. Era uma fábrica que privilegiou, exclusivamente, a parte financeira e pecou no lado profissional;, lamenta o diretor nacional de defesa profissional da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (Deepro/SBCP), Jorge Menezes. De acordo com ele, o que tem faltado no mundo, principalmente em países ricos, é uma fiscalização rigorosa sobre essas fábricas. ;O controle sobre todas elas é coisa que nunca vamos ter, mas é preciso mais rigor das vigilâncias sanitárias desses países;, cobra ele, certo de que o PIP foi um caso à parte. ;Não podemos deixar uma mulher infeliz. Em muitos casos, por causa da doença psicológica, ela chega a não ter vida social por causa de um distúrbio corporal. É um mal muito maior que um câncer de mama. Vamos frear o sonho delas por causa de um bastardo?;, questiona.

Esse desejo, hoje,pode provocar arrependimento para as cerca de 12,5 mil mulheres brasileiras portadoras do PIP e para as 7 mil que receberam a prótese holandesa da marca Rofil, que também apresentou problemas, segundo informou a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) no início da semana. A notícia reacende mitos e incertezas sobre tudo que já foi dito sobre os implantes de silicone. E mais: se, antes, a garantia de segurança estava no tempo de atuação da empresa no mercado, essa certeza já não existe mais. Então, como saber que passar por uma cirurgia como a colocação de uma prótese nos seios não lhe trará problemas futuros?

;É uma resposta que fica no ar;, afirma o presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica ; Seção Minas Gerais, Carlos Salum Castro. Segundo ele, a PIP tem um gel não apropriado para a saúde, que, com um possível vazamento ou uma ruptura, se torna um risco para a mulher. ;Mas existe um pouco de alarde sobre o tema. Não há trabalhos que comprovem a relação dessa marca francesa com o câncer;, destaca.

Como cirurgião plástico especialista em reconstrução de mamas, ele afirma que seria um contrassenso usar algo sob suspeita. ;Hoje em dia, o gel duro e o gelatinoso, ambos aprovados pela Anvisa, ao romper, não se espalham pelo corpo. Ter uma situação de uma prótese francesa oferecendo riscos deixa a gente assustado, mas é um caso à parte;, garante. Castro reconhece que a paciente nem sempre sabe qual a marca do silicone que está sendo implantado em seu corpo. ;O médico responsável deve colocar todas essas informações, inclusive o número de série do produto, na ficha da paciente;, indica.

O oncologista e professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) André Murad, chefe do Serviço de Oncologia do Hospital das Clínicas da UFMG e do Hospital Life Center, lembra que, quando foram estudadas em cobaias, as próteses apresentaram potencial de provocar patologias, como o desenvolvimento de tumores. ;Em seres humanos, isso ainda não foi detectado;, ressalva, acreditando em marcas de qualidade que atestam segurança para a mulher.

Corporalidade
Dos 100 mil implantes feitos por ano no Brasil, 40% são para reconstituir a mama. É por esse motivo que Marisa Sanabria, conselheira do Conselho Regional de Psicologia de Minas Gerais, afirma que todas as práticas e facilidades da medicina de hoje são interessantes, por valorizarem a corporalidade da mulher. ;Ela passa a se sentir mais integrada e inteira. Para uma mulher que foi mutilada por um câncer na mama, por exemplo, ela tem a possibilidade de ter de volta sua autoestima. Isso melhora a relação que ela tem sobre ela mesma. A mama identifica o feminino na sociedade. É afeto, amamentação e define a mulher, por isso o silicone não pode ser visto como um vilão;, comenta.

Com a polêmica das próteses europeias, levanta-se a poeira sobre mitos e lendas sobre o uso do implante. Um deles é de que as próteses, independentemente da marca, atrapalham o exame de mamografia e também a amamentação. ;Não existe isso. Elas são implantadas de forma a não interferir num exame de raios X dos seios nem no exame do toque. O mesmo ocorre para a amamentação: não há interferência;, acrescenta o oncologista André Murad. O grande temor dos especialistas é com o mercado crescente de próteses, que abre espaço para produtos de má qualidade. De acordo com levantamento da SBCP feito em 2009, o número de implantes de silicone já ultrapassou as cirurgias de lipoaspiração, chegando a responder por 21% das cirurgias estéticas feitas no país. ;Virou um grande mercado. O maior problema é que, com a concorrência, muitas empresas têm feito a cirurgia com os preços mais em conta. Desconfie sempre desse barato, que pode sair muito caro;, alerta o professor da UFMG.

Em reunião na quarta-feira, a Anvisa informou que pretende fiscalizar fábricas nacionais e estrangeiras que produzem as próteses. Atualmente, há 21 fabricantes no exterior e três no Brasil com registro. ;Vamos estabelecer o mesmo sistema de certificação que vale para preservativos e luvas, feito lote a lote ou por amostragem;, disse o diretor geral da agência, Dirceu Barbano.

Resgate da autoestima

Vânia Maria Fazito Rezende Teixeira, 58 anos

Em 2009, depois de diagnosticada com câncer de mama, a professora de ensino técnico Vânia Maria Fazito Rezende Teixeira, enfrentou a cirurgia de retirada do seio esquerdo. ;Optei pela reconstituição. Assim que voltei do bloco cirúrgico, meu peito estava ali, intacto. A prótese me deu essa satisfação;, comenta. Um ano depois, Vânia passou a não se sentir bem. ;Tive infecção e os médicos recomendaram retirar e colocar outra. Assim o fiz;, conta. Segundo ela, o implante, para quem passou pela doença, é como um resgate da autoestima. ;Quando você perde uma mama e depois a vê reconstituída, como sempre foi, é uma felicidade muito grande;, garante. Por isso, ela não julga as pessoas que, por estética, querem aumentar os seios. ;Não mudou nada na minhas mamografias. Estou bem.;

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