Pedro Rocha Franco
postado em 14/01/2012 08:00
Belo Horizonte ; Um passo rumo à solução de problemas graves de saúde. Tese de doutorado feita na Universidade de São Paulo (USP) mostra que a ação de ácidos graxos em neutrófilos pode permitir a prevenção de doenças inflamatórias, incluindo as que atacam o intestino e até mesmo a obesidade e comorbidades associadas. A pesquisa, defendida no curso de doutorado do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo por Marco Aurélio Ramirez Vinolo, sob orientação do professor Rui Curi, rendeu ao estudioso o primeiro lugar no Prêmio Tese Destaque USP 2011 e é considerada um avanço no conhecimento das ações de nutrientes no organismo. ;Sabia-se que as fibras têm efeito benéfico, diminuindo o processo inflamatório no trato gastrointestinal. No entanto, não se conhecia a ligação desse efeito com os ácidos graxos de cadeia curta, que são gerados na degradação das fibras;, diz o pesquisador.A partir da fermentação de fibras no intestino, são produzidos ácidos graxos de cadeia curta (AGCC), principalmente acetato, propionato e butirato, que são moléculas simples compostas por cadeia de um a cinco átomos de carbono e um grupo carboxila. Essas moléculas, principalmente o butirato, têm efeitos importantes no trato gastrointestinal sendo essenciais para a manutenção das células que compõem o tecido intestinal. Alimentos ricos em fibras que liberam os AGCCs são o leite e a manteiga, por exemplo.
De acordo com o estudo, os leucócitos ; células responsáveis pela destruição e remoção de patógenos, no caso em que a inflamação é decorrente da presença ou ação de um agente infeccioso ; têm suas funções moduladas pelos AGCCs. Os leucócitos, em especial os neutrófilos, migram para o local da inflamação e, ao chegar lá, liberam moléculas como citocinas e espécies reativas de oxigênio e nitrogênio (mediadores inflamatórios). Essas, por sua vez, sinalizam para a migração de outras células sanguíneas para o local de infecção e, dessa maneira, ampliam a inflamação. Os resultados obtidos por Vinolo demonstram que os ácidos graxos de cadeia curta são capazes de inibir a liberação de parte dessas moléculas e, por reduzir a produção desses mediadores inflamatórios, consequentemente atuam na redução da inflamação.
Pelo fato de esses ácidos graxos reduzirem a produção de mediadores inflamatórios pelos leucócitos, é possível que esses compostos reduzam a capacidade dos leucócitos de destruírem as bactérias.
Outro ponto relevante é que os AGCCs também são produzidos em altas quantidades por bactérias anaeróbias causadoras de doenças no tecido periodontal, onde esses ácidos graxos atuariam iniciando e intensificando o processo inflamatório. ;Os neutrófilos são as primeiras células a migrarem ao tecido inflamado onde produzem uma ampla gama de mediadores. Além disso, atuam diretamente na destruição de micro-organismos invasores, via fagocitose, produção de espécies reativas de oxigênio e liberação de proteases (degranulação);, diz o estudo.
Avanços
O pesquisador acredita que, a partir do resultado de sua tese e estudos mais aprofundados, seja possível que alimentos ricos em fontes de ácidos graxos de cadeia curta possam reduzir de maneira significativa o uso de medicamentos. Isso porque os AGCCs previnem o desenvolvimento de várias condições patológicas, principalmente as doenças inflamatórias. ;A ingestão de fibras e também o uso direto de ácidos graxos de cadeia curta podem ter efeitos benéficos que variam desde a redução na propensão ao desenvolvimento de doenças inflamatórias intestinais até a diminuição de obesidade e comorbidades associadas. Contudo, vale ressaltar que são necessários mais estudos, principalmente em humanos, para uma melhor caracterização desses efeitos;, afirma.
Em parceria com outros dois professores do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo, Vinolo vem testando em animais o uso de derivados sintéticos do butirato para o tratamento de doenças. Segundo ele, por enquanto, apesar de o trabalho ainda não ter sido concluído, os resultados são promissores quanto à aplicação desses compostos em animais com inflamação aguda, sepse, lesão renal e até para tratamento de obesidade. ;Sabe-se hoje que parte das alterações que ocorrem em indivíduos obesos, como o desenvolvimento de diabetes melito e alterações cardiovasculares, são decorrentes da produção de mediadores inflamatórios;, diz o pesquisador. Diante disso, os AGCCs foram testados em animais obesos e, apesar de o trabalho ainda não ter sido publicado, ele adianta que o tratamento à base de ácidos graxos de cadeia curta teve efeitos benéficos em decorrência da sua ação anti-inflamatória. Mas ele afirma que para melhor avaliação dos resultados é preciso realizar testes semelhantes em humanos.