Ciência e Saúde

Molécula pode beneficiar pacientes que tenham intolerância a nitroglicerina

Mariana Peixoto/Estado de Minas
postado em 23/01/2012 08:34
Belo Horizonte ; Poderoso vasodilatador, a nitroglicerina é usada no tratamento de dores no peito, conhecidas como angina, e nas salas de emergência de hospitais, quando pacientes chegam com sinais de infarto agudo de miocárdio. Ela é também a base de quase todos os medicamentos usados atualmente para dilatar as coronárias de pacientes cardíacos. Entretanto, os benefícios para o coração podem ser limitados, devido ao desenvolvimento, pelo corpo, de intolerância ao composto. Pesquisa realizada no Departamento de Química e Biologia de Sistemas da Escola de Medicina da Universidade Stanford, na Califórnia, identificou uma molécula que, administrada com a substância, pode evitar infartos mais graves em pacientes que desenvolvem essa resistência. A descoberta é fruto do projeto de doutorado do chinês Lihan Sun, realizado com o brasileiro Júlio César Batista Ferreira, também pós-doutorando na instituição.

;Nesse estudo, descobrimos que a intolerância a nitroglicerina não se deve somente à perda do efeito vasodilatador do medicamento. Na verdade, quando precedido do infarto do miocárdio, o uso de nitroglicerina pode causar efeitos devastadores ao coração;, explica Ferreira. De acordo com o pesquisador, a intolerância à nitroglicerina é resultado da inativação da aldeído-desidrogenase 2 (ALDH2), uma enzima essencial para a proteção cardíaca em vítimas de infartos. ;O estudo verificou que a molécula ALDA-1, também descoberta pelo nosso grupo em Stanford, é capaz de manter o funcionamento de ALDH2 e evitar efeitos deletérios decorrentes da intolerância à nitroglicerina durante o ataque cardíaco;, diz o cientista.

A pesquisa, que consumiu os últimos três anos e foi publicada recentemente pela revista Science Translational Medicine, foi realizada em animais. O estudo foi coordenado pela professora Daria Mochly-Rosen. ;Depois da administração da nitroglicerina por 16 horas, induzimos o infarto do miocárdio nos animais e observamos que o grupo com o composto apresentou disfunção cardíaca maior do que os demais ao longo de três semanas após o infarto. Porém, quando administramos a nitroglicerina combinada à ALDA-1, os efeitos deletérios da tolerância ao medicamento não se manifestaram;, acrescenta Ferreira.

O próximo passo será avaliar os benefícios da ALDA-1 em humanos. O custo do projeto é de US$ 10 milhões. Para tentar viabilizar a iniciativa, o grupo de pesquisadores de Stanford criou a empresa Aldea para arrecadar fundos para a realização dos testes em humanos.

Dinamite

O uso da nitroglicerina pela medicina foi bastante posterior à sua descoberta. Foi o químico italiano Ascanio Sobrero quem primeiro a identificou, em 1847, e batizou-a de piroglicerina. Vinte anos mais tarde, outro químico, o sueco Alfred Nobel, a utilizaria na fabricação da dinamite. Sobrero chegou a observar que a substância provocava dores de cabeça, causadas pela dilatação dos vasos. Mais tarde, o mecanismo do efeito da nitroglicerina nos doentes cardíacos foi descoberto por três cientistas norte-americanos: Robert Furchgott, Louis Ignarro e Ferid Murad.

;O grande problema é a intolerância a ela, decorrente do uso sustentado do medicamento. Os efeitos devastadores resultam da inativação da ALDH2. A ALDH2 é uma enzima mitocondrial cujas funções são essenciais no sistema cardiovascular, entre as quais catalisar a conversão da nitroglicerina ao vasodilatador óxido nítrico e remover aldeídos tóxicos produzidos durante o infarto do miocárdio. Com a inibição dessa enzima pelo excesso de nitroglicerina, esses aldeídos se acumulam no coração e passam a se ligar a proteínas, a lipídios e ao DNA, resultando na morte celular durante o infarto do miocárdio. Com a ALDH2 ativada, é possível remover com mais facilidade esses aldeídos, minimizando os danos ao coração;, explica Júlio César Ferreira, formado em educação física pela Universidade de São Paulo e PhD em química, sistemas biológicos e biodinâmica humana.

Prevenção

Setenta por cento das mortes no Brasil são decorrentes de doenças não transmissíveis: câncer, diabetes, doenças respiratórias crônicas e doenças cardiovasculares. Dessa porcentagem, quase 40% dos óbitos provêm das doenças cardiovasculares: infarto do miocárdio, acidente vascular cerebral e insuficiência cardíaca. Dados mais recentes da Sociedade Brasileira de Cardiologia, referentes a 2009, dão conta de 74 mil mortes naquele ano em decorrência de infarto ; metade das pessoas afetadas pelo problema não chegam ao hospital com vida.

Diante de dados alarmantes, o que fazer? ;Prevenção e detecção precoce;, afirma Maria da Consolação Vieira, presidente da Sociedade Mineira de Cardiologia. ;E ela deveria começar ainda na pediatria, já que, cada vez mais, as doenças cardiovasculares acometem pessoas mais jovens.; As causas são várias: obesidade, sedentarismo, hipertensão, diabetes, tabagismo e colesterol elevado, entre outras. A mudança do estilo de vida da sociedade moderna, com a consequente exposição precoce a um ou vários fatores de risco, vem acelerando o processo, de acordo com a cardiologista. Segundo a médica, a pessoa que sentir dor forte no peito deve procurar a urgência de um hospital para ser avaliada por uma equipe preparada para lidar com a situação.

"Nesse estudo, descobrimos que a intolerância a nitroglicerina não se deve somente à perda do efeito vasodilatador do medicamento. Na verdade, quando precedido do infarto do miocárdio, o uso da substância pode causar efeitos devastadores ao coração"
Júlio César Batista Ferreira, pós-doutorando da Escola de Medicina da Universidade Stanford, na Califórnia

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