Paloma Oliveto
postado em 31/01/2012 09:16
Mente ;aberta;, criatividade aguçada, uma porta para o autoconhecimento: se é isso que usuários de alucinógenos procuram em cogumelos psicoativos, é melhor mudar de tática. No mais detalhado estudo já realizado sobre a ação desse tipo de droga no cérebro, cientistas do Imperial College de Londres descobriram que, na verdade, o efeito é o oposto. A psilocibina, substância exultada por antigas civilizações latino-americanas e muito apreciada durante a década de 1960, diminui a oxigenação, enfraquece o fluxo sanguíneo e reduz substancialmente a atividade do cérebro. ;Comumente, se diz que os agentes psicodélicos aumentam as conexões neurais, mas nosso estudo coloca essa questão em dúvida;, afirma David Nutt, professor do Departamento de Psicologia do Imperial College de Londres e líder da pesquisa, cujos resultados foram publicados na revista Proceedings of the National Academy of Sciences (Pnas). Para descobrir o que ocorre no cérebro sob influência de alucinógenos, a equipe de Nutt submeteu voluntários saudáveis à ressonância magnética funcional, depois de receberem uma dose segura de psilocibina intravenosa.
Todos descreveram confusões mentais, como alucinações, visões de objetos geométricos, sons estranhos, alteração da noção espacial, ou, na definição de David Nutt, ;a sensação de que o mundo não é um lugar muito agradável;. Entre os que receberam placebo, as ;viagens; foram, estatisticamente, insignificantes. O experimento foi realizado duas vezes, com 30 pessoas divididas em grupos: as que tiveram contato real com a substância e aquelas que ficaram só com placebo. Juntando as duas fases, no fim, todas experimentaram o alucinógeno.
Nutt explica que a ressonância magnética revela a atividade cerebral ao identificar os locais onde há fluxo sanguíneo ou por meio da detecção dos níveis de oxigênio. Ao ficar ativa, uma região começa a consumir glicose, de onde retira a energia necessária para as reações químicas. Nesse processo, o oxigênio não é usado. Dessa forma, o fluxo sanguíneo aumenta, mas o gasto de oxigênio, não. Consequentemente, sabe-se que uma determinada área do cérebro está em atividade pela concentração do elemento químico no local.
Quando a psilocibina entra no organismo, em vez de ativar, ela faz com que diversas regiões fiquem inertes, o que se detecta pela pouca oxigenação e pelo fluxo sanguíneo deficiente no cérebro. As áreas mais afetadas são justamente aquelas mais necessárias, conhecidas por transmitir a informação. Uma delas, por exemplo, é o hipotálamo, que, entre outras funções, regula o comportamento sexual, a expressão das emoções, controla a temperatura do corpo e secreta hormônios.
;Ao encontrar esses centros de transmissão fechados, a informação começa a viajar mais livremente pelo cérebro, pois não contam mais com eles para se organizar. Talvez seja por isso que os consumidores de drogas alucinógenas reportem efeitos estranhos; enfim, sintam o mundo de maneira diferente;, explica Robin Carhart-Harris, do Departamento de Medicina do Imperial College de Londres e principal autor do artigo publicado pela Pnas. Além disso, a psilocibina imita os efeitos químicos, no cérebro, de uma substância natural, a serotonina, responsável pela sensação de bem-estar. Quando se liga aos receptores desse neurotransmissor, o alucinógeno inibe a atividade dos neurônios relacionados a ele.
Confusão
O que parece ao usuário da droga experiências místicas ; muitos a descrevem como religiosa ; e de ;abertura da mente; são, na realidade, confusões decorrentes de má-circulação do sangue e da falta de oxigenação cerebral, além da inativação de diversas regiões do órgão. Estudando o efeito da psilocibina no comportamento há mais de uma década, o neurocientista Roland Griffiths, da Universidade de Johns Hopkins, nos Estados Unidos, conta que, sob condições científicas rigorosas, tem realizado pesquisas com a droga. Ele constatou que indivíduos saudáveis e com escolaridade alta descrevem sensações místicas e espirituais ao usar o ;cogumelo mágico;, compatíveis a essas alterações verificadas pela equipe de Carhart-Harris e David Nutt.
;Entender o que está por trás dos efeitos de determinadas substâncias sobre os impulsos neurais é um ponto de muito interesse da neurociência;, afirma. De acordo com ele, desde a década de 1960, quando o consumo de cogumelos alucinógenos provocou, em seguida, uma reação contrária aos excessos, a comunidade científica começou a evitar as pesquisas com esse tipo de droga. ;Ficamos com um lapso muito grande de informação, baseados mais nas descrições antropológicas do que no entendimento científico do processo;, conta.
Substância indígena
A substância é extraída de um tipo de cogumelo mexicano, o Psilocybe mexicana, e seu uso com fins medicinais, místicos e espirituais está associado à história dos povos astecas e maias. Na década de 1960, foi adotada por parte do movimento hippie e atingiu alta popularidade em todo o mundo. Diversos estudos têm sido feitos com a substância.