Ciência e Saúde

Casas de parto de São Paulo são opção para atendimento humanizado

postado em 22/10/2012 11:53
Um corredor com um jardim bem cuidado conduz as gestantes à sala de estar onde uma mesa com suco, frutas e bolos foi preparada especialmente para recepcioná-las. Reproduzir o aconchego do lar na etapa final da gravidez é a proposta da Casa Angela, uma das duas casas de parto de São Paulo, localizada no Jardim Mirante, na periferia da zona sul da capital paulista. O vocativo ;mãezinha;, como costumam ser chamadas as gestantes em hospitais, é substituído por Marlene, Suzana, Cristina. Mães, pais e bebês têm rostos e nomes nesses locais, e eles têm, sobretudo, vontades.

É esse clima de naturalidade no momento de dar à luz e de respeito às necessidades da família que tem feito mulheres optarem pelas casas de parto em vez de recorrer a hospitais bem equipados. ;Fiquei assustada quando voltei a morar no Brasil e descobri que, caso fizesse meu parto em hospital particular, teria até 90% de chance de passar por uma cesariana;, relata a administradora de empresas Marlene Ábila, 32 anos, que teve seu filho Ramon na Casa Angela, em janeiro deste ano. A casa atende apenas mulheres com gravidez de baixo risco, que não passam por procedimentos cirúrgicos ou intervenções médicas para dar à luz.



O relatório Situação Mundial da Infância 2011, do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), mostra que a taxa de cesárea no Brasil é a maior do mundo, com 44%. De acordo com o Ministério da Saúde, considerando apenas a rede privada, esse percentual quase dobra e chega a 80%. A recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS) é que as cirurgias correspondam a, no máximo, 15% dos partos.

Marlene relata que pôde comparar os serviços da casa de parto aos de um hospital, quando o filho Ramon precisou tratar uma doença. ;Lá, eu era a mãezinha e meu filho o RN [recém-nascido], já que ele ainda não tinha certidão de nascimento. Na casa de parto, sempre fomos Marlene e Ramon, senti como se estivesse parindo em casa;, lembra.

A unidade funciona 24 horas. A equipe é formada por oito enfermeiras obstetras, técnicos de enfermagem, psicólogo, fisioterapeuta e massagista. Podem ser feitos até quatro partos simultaneamente. Os quartos dispõem de camas hospitalares e de equipamentos que podem ser utilizados pelas mulheres no momento do parto, como banheira e bancos adaptados.

O ambiente acolhedor fez a enfermeira Camila Nogueira Rodrigues optar por trabalhar na Casa Angela. ;Fiquei muito impactada pela falta de sensibilidade nos hospitais, que tipo de lugar era aquele que os pais só podem ver o bebê por meia hora? A dinâmica hospitalar é muito rápida e acaba por não respeitar o tempo das mulheres.;

;Em geral, a cultura do parto no Brasil, principalmente nos hospitais particulares, é extremamente intervencionista. Todo o saber de como acompanhar o parto normal desapareceu no ambiente hospitalar;, avalia a coordenadora-geral da Casa Angela, Anke Riedel. Ela relata que os partos naturais duram, em média, 12 horas, enquanto uma cesariana leva apenas de 30 a 40 minutos. ;Existem vários motivos para que isso ocorra, mas a principal é a questão do lucro, pois o parto normal requer todo um cuidado e acompanhamento que não é bem pago;, aponta.

A Casa Angela é vinculada à organização não governamental (ONG) Monte Azul, que atua há 35 anos na comunidade, e atende gratuitamente mulheres das regiões do M;Boi Mirim e Campo Limpo. Para gestantes de outras localidades, é feita uma avaliação para saber se elas têm condições de arcar com os custos do atendimento. ;Nossa intenção era manter a casa integrada ao serviço público de saúde, mas, diante da impossibilidade, essa foi a forma que encontramos de conseguir atender mulheres carentes;, explica Anke Riedel. Para quem pode pagar, são cobrados R$ 3,5 mil para o pré-natal e o parto. Quem desejar cuidados extras durante o pós-parto, como o acompanhamento pediátrico do bebê ; tem de arcar com mais R$ 500.

De fevereiro, quando a Casa Angela começou a funcionar, a setembro deste ano, foram registrados 100 nascimentos. A coordenadora-geral da casa explica que é possível fazer até 40 partos por mês. Segundo ela, 50% das mulheres atendidas vêm de outras localidades. Anke Riedel avalia que muitas mães da região procuram o serviço por ser uma opção gratuita. ;As mulheres que vem de fora sabem o que querem, se informaram muito para ter um parto humanizado. As que são daqui vêm porque encontram um atendimento muito diferenciado, individualizado;, avalia.

Antes do parto, as gestantes passam por, pelo menos, seis consultas de pré-natal na própria casa. A administradora Suzana Silva de Sousa, 24 anos, fez a última no dia 2 de outubro. No plano de parto ; um questionário em que as mães dizem como imaginam o momento de dar à luz ; Suzana escolheu dividir esse momento com o marido e a mãe. ;São as duas pessoas que me passam confiança. Vamos colocar velas aromáticas para deixar o ambiente agradável. Estou tranquila;, contou. Suzana está na 40; semana de gestação e aguarda a chegada de Tamires a qualquer momento.

Na cidade de São Paulo, a Casa de Parto de Sapopemba faz um trabalho semelhante. Localizada na zona leste da capital, a estrutura é mantida pela prefeitura. O casal Rafael Vieira da Silva, 29 anos, e Camila Inês Rossi, 27 anos, escolheu o espaço para o nascimento da filha Anisha Raiz, que hoje tem 1 ano e 4 meses. Eles conseguiram criar o ambiente que haviam planejado para o momento. ;Estendemos tecidos pela sala, cantamos, ouvimos mantras. Foi muito lindo;, conta a mãe.

Para Camila, a presença do companheiro foi essencial para aumentar a confiança no momento do parto. ;A gente diz que pariu junto. O corpo do Rafael junto do meu fez toda a diferença. A gente fez isso junto. Ele precisava estar lá comigo;, relata. Segundo ela, o pai acompanha todo o procedimento na casa e o bebê, logo após o nascimento, vai para os braços da mãe.

Tanto na casa do Jardim Mirante quanto na de Sapopemba uma ambulância fica disponível para casos em que a transferência para hospitais seja necessária. Anke Riedel destaca, no entanto, que, até agora, não foi preciso recorrer ao veículo para casos de emergência. ;Utilizamos em situações bem tranquilas, quando verificamos, no trabalho de parto, que não havia condições de fazê-lo na casa;, relata citando situações como a mudança de posição da criança durante o procedimento. Segundo ela, a transferência para o hospital da região leva, no máximo, dez minutos.

Na opinião de Camila Rossi, a participação de médicos no parto deve ser o último recurso. ;Quando é necessário intervenção, que bom que existem os médicos, mas isso deve ser a exceção. Para algo que é natural, não é necessário procedimento cirúrgico. Gravidez não é doença.;

A coordenadora da Casa Angela reforça que o parto humanizado torna as mulheres protagonistas nesse momento. ;Esse trabalho fortalece muito os vínculos afetivos e torna a mulher um sujeito ativo desse processo;, avalia.

Durante quatro dias a reportagem da Agência Brasil entrou em contato com a Secretaria de Saúde da prefeitura de São Paulo, responsável pela Casa de Parto de Sapopemba, mas não conseguiu autorização para visitar o local, assim como não obteve as informações sobre o funcionamento e o número de partos feitos por mês.

Camila Rossi, que teve bebê no local, avalia que não há interesse por parte do governo municipal em divulgar a unidade. ;É um serviço muito boicotado. O telefone de lá muda sempre. Se qualquer hospital quiser fazer a divulgação dos seus serviços, isso é super bem visto, mas na casa de parto, não;, criticou.

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