Ciência e Saúde

"Era um negócio glorioso", diz professor Luis Humberto, sobre começo da UnB

Marcela Ulhoa
postado em 10/12/2012 06:02 / atualizado em 05/10/2020 12:16



Foi uma época maluca. “Quando é que um jovem arquiteto com 27 anos ia imaginar que ajudaria a montar uma universidade e, no fim de tudo, virar um fotógrafo? É muita doidera, né?” Sempre descontraído e debochado, Luis Humberto Miranda Martins Pereira, 78 anos, relembra com humor a sua participação pioneira na Universidade de Brasília, aonde chegou em 1961 e continua até hoje. Sentado na sala de seu apartamento na Asa Sul, de paredes repletas de pinturas e fotografias (várias de sua autoria), o professor emérito da UnB começa a conversa com um alerta: detesta ser chamado de senhor. “Senhor, só se for no céu rodeado de anjinhos.”

Luis Humberto Miranda :

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Luis Humberto foi praticamente o primeiro professor a chegar à UnB. “Só não sou mais antigo do que o nada e de que Darcy (Ribeiro)”, brinca. Perspicaz e sempre irônico, quando perguntam se ele era um dos 200 sábios convidados por Darcy para idealizar a universidade, a resposta afiada vem rápida: “Eu não era, fiquei depois. Você tem que levar isso na esportiva, porque essa gente é muito maluca. Você vai explicar que isso é um processo onde cabem pessoas de vários tamanhos ali dentro? E que você cresce com isso? É muito cansativo ficar explicando essas coisas para as pessoas.”



Formado na turma de 1959 da Faculdade Nacional de Arquitetura da Universidade do Brasil, no Rio de Janeiro, onde nasceu, Luis Humberto se mudou para a nova capital em 1961. Na época, ele era arquiteto do Ministério da Educação e sua primeira mulher era funcionária da Câmara Legislativa, transferida do Rio para Brasília. Apesar da possibilidade oferecida pelo órgão de permanência na capital fluminense, o casal resolveu arriscar a sorte na capital com cara de faroeste. A decisão o levaria a conhecer um de seus grandes mestres: o arquiteto, pintor, desenhista e pesquisador Alcides da Rocha Miranda, falecido em 2001.

Alcides Miranda era o representante do patrimônio histórico em Brasília e estava encarregado pela construção dos prédios da Faculdade de Educação da UnB, além de ter sido o primeiro coordenador do curso-tronco de arquitetura e urbanismo da instituição. “Foi o doutor Alcides que me levou para a UnB. Na primeira vez que desci para conversar com ele, nós nos gostamos mutuamente. Não que tenha sido amor à primeira vista, mas ele acreditou que eu era potencialmente alguma coisa que valesse a pena.” Foi então que o jovem de 27 anos ganhou a oportunidade de ser coautor dos primeiros blocos da UnB: FE1, FE3 e FE5.

Das recordações dos momentos de construção da universidade, que coincidiam com a própria edificação de Brasília, Luis Humberto ressalta as enormes distâncias. Comprar os materiais na cidade era complicado. O carro ia cambaleando por entre a estrada de terra ao lado da catedral até chegar à Asa Sul. Os cerca de 10km de distância entre a universidade e a parte construída da W3 eram uma longa estrada rural. Disso tudo, o arquiteto acha graça. “Foi um privilégio o que a história me reservou. Era um negócio que você vivia com tal intensidade que você saía da universidade às 18h, doido para voltar no dia seguinte às 8h”, relembra.

Aulas e repressão
Além de sua participação na elaboração dos projetos de arquitetura, Luis Humberto foi convidado também para ministrar aulas. No modelo inicial, os alunos tinham a formação básica e, depois de dois anos, seguiam para os institutos e faculdades visando aprofundamento na área de interesse. Assim, ele ensinava desenho para os futuros alunos de arquitetura, artes visuais e música, entre outros campos ligados à arte. “Eu nunca tinha sido professor na vida, mas Alcides era um cara que apostava muito nos novos. Um dia, ele assistiu a uma aula nossa e falou que a gente tinha ido muito bem, que estávamos muito seguros. Só eu sei o quão seguro eu estava...”, ironiza.

Depois de um período afastado das salas de aula para supervisionar as obrar na universidade, Luis Humberto lecionou desenho e plástica, uma disciplina que preparava para o curso de arquitetura. Nesse período, apesar de se considerar “bagrinho”, o professor conviveu de perto com outros grandes nomes da arquitetura, como Oscar Niemeyer, primeiro coordenador do Instituto de Arquitetura da UnB. “Eu fui ser arquiteto por causa dele. Quando vi as obras dele, eu pensei: arquitetura é isso? É essa beleza toda? Então eu quero ser arquiteto quando crescer”, conta.

O sonho eufórico de uma universidade libertadora, entretanto, foi interrompido em 1965, quando cerca de 200 professores, entre eles Luis Humberto, pediram demissão coletiva como último ato de resistência às intervenções militares na universidade, que vinha sendo atacada com frequencia desde o golpe de 1964. “A repressão na UnB foi forte. Os militares pensavam que as universidades eram perigosas porque, na verdade, eles estão habituados a dar ordens e obedecê-las. Não é do seu feitio essa coisa da aceitação, o fascínio pela contradição do pensamento”, reflete.

Mesmo fora da UnB, Luis Humberto resolveu permanecer na cidade e tentar a vida na fotografia, paixão que descobriu nas andanças pelo Minhocão, como é conhecido o Instituto Central de Ciências (ICC). Seu nome ainda era desconhecido no ramo, mas a oportunidade de trabalhar em uma revista semanal abriu caminho para que o então arquiteto virasse um renomado fotógrafo. “Em tempos de excessos, excesso de imagens, de sons, de informações, a fotografia de Luis Humberto transita por outros caminhos. É uma imersão num mundo singelo, sem desperdício, profundo e radical. Não há retórica em suas imagens. Não há ornamentos. Não há efeitos especiais. Há apenas um enquadramento preciso e limpo”, elogia o fotógrafo e professor da UnB Marcelo Feijó.

Retorno
Depois de 20 anos afastado da universidade e com uma consolidada carreira na fotografia, Luis Humberto foi convidado, em 1985, para reintegrar o corpo docente da UnB, agora na Faculdade de Comunicação. “Depois que você dá a primeira aula, se você gosta, você tá mordido pelo vírus do magistério. Se você se apaixona por isso aí, ninguém te segura mais”, conta.

Na volta à UnB, o arquiteto/fotógrafo foi incumbido de organizar e ministrar três disciplinas do currículo que estava sendo implementado na época: políticas culturais, análise da imagem e fotojornalismo. Aposentado pela Faculdade de Comunicação em 1992, Luis Humberto continuou trabalhando por mais um tempo com orientação de teses e hoje tem participação ativa nas comissões Anísio Teixeira de Memória e Verdade da UnB e UnB 50 anos. “Nessa terceira fase de universidade, o Luis Humberto participa das reuniões da com ideias e estímulos. Ele tem uma empolgação, uma energia e uma força contagiantes”, declara Fernando Paulino, coordenador executivo da UnB 50 anos.

Casado com a advogada aposentada Márcia, “a paixão” de sua vida, e pai de cinco filhos, o professor não quer por fim ao romance de cinco décadas com a universidade. “Não quero parar, está no sangue, na minha alma.” O motivo de tanta doação é a vontade de ver diminuir no país uma das coisas que menos tolera: a mediocridade. “Eu acredito na necessidade que o país tem de alguma coisa decente, na produção de um conhecimento que seja transformador e libertador. Isso é possível. O problema é que o país é muito medíocre, puxa para baixo. Gosta de muito espetáculo e pouca consistência.”

Minicurrículo

Nascido na cidade do Rio de Janeiro em 1934, Luis Humberto formou-se em arquitetura pela Faculdade Nacional da Universidade do Brasil (atual Universidade Federal do Rio de Janeiro) em 1959. Como arquiteto, foi coautor dos primeiros prédios da Universidade de Brasília com Alcides da Rocha Miranda. Em 1966, entretanto, Luis Humberto resolveu dedicar-se à fotografia, área em que ganhou projeção nacional. Como fotojornalista, trabalhou em diversos veículos de comunicação nacionais. Durante os anos de 1985 e 1986, foi diretor-executivo da Fundação Cultural do Distrito Federal, assumindo em seguida a direção da Divisão de Foto-Imagem da Fundação das Pioneiras Sociais, passando a se dedicar integralmente ao ensino a partir da década de 1990. Foi também chefe de departamento e decano de extensão na Universidade de Brasília na gestão do reitor Antônio Ibanez. Em 2010, a retrospectiva de sua obra deu origem ao livro Do lado de fora da minha janela, do lado de dentro da minha porta. Publicou ainda dois livros de ensaios, sendo que o primeiro, Fotografia: Universos & arrabaldes, inaugurou a coleção Luz & Reflexão da Funarte, em 1983. A força de suas imagens é também abordada no livro da jornalista Nahima Maciel, intitulado Luis Humberto — a luz e a fúria.














Trajetória

 

1959: Gradua-se em arquitetura pela Faculdade Nacional da Universidade do Brasil, atual UFRJ

1960: Ingressa como arquiteto no Ministério da Educação no Rio de Janeiro

1961: Muda para Brasília e passa a trabalhar na sede do MEC na capital. É chamado por Alcides da Rocha Miranda para ser coautor no projeto dos primeiros prédios da UnB

1962: Integra o primeiro corpo docente da UnB no curso-tronco de arquitetura e urbanismo

1965: Com os outros professores da UnB, demite-se da UnB, em protesto às intervenções do governo militar na universidade

1966: Passa a trabalhar como fotojornalista

1985: Torna-se diretor-executivo da Fundação Cultural do Distrito Federal. Neste mesmo ano, reintegra-se à UnB como professor da Faculdade de Comunicação Social

2011: Ganha o título de professor emérito pela Universidade de Brasília

2012: Integra a Comissão UnB 50 anos e a Comissão Anísio Teixeira de Memória e Verdade da UnB

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