Não há dúvidas de que a história de Brasília está intimamente relacionada às aventuras e desventuras da UnB. Em 1962, a nova capital, com apenas dois anos, viu se estabelecer a universidade das utopias. Entre barracões e construções inacabadas, circulava um time de intelectuais de ponta, alguns dos maiores que o Brasil já viu. Eram físicos, matemáticos, antropólogos, artistas, arquitetos, linguistas e químicos de todos os cantos do país, que viveram o sonho de um ensino superior revolucionário e o pesadelo da repressão e cerceamento da liberdade, com a instalação da ditadura militar em 1964.
Dos cerca de 300 professores que existiam nos primeiros anos da Universidade de Brasília, mais de 200 pediram demissão coletiva em 1965, gesto que representou um último grito de resistência ao endurecimento do regime e sua interferência na UnB. Vinte anos depois, a anistia trouxe de volta à instituição alguns de seus fundadores. Nos três primeiros dias da série Mestres de Darcy, o Correio contou a história dos professores Aryon Rodrigues, Luis Humberto e Glênio Bianchetti, que, convidados a participar da reconstrução do sonho no final da década de 1980, aceitaram o desafio e até hoje contribuem diretamente para a instituição que ajudaram a erguer. Alguns dos mestres fundadores da instituição, entretanto, seguiram por outros caminhos e carregam até hoje os ideais utópicos construídos em 1962.
O arquiteto João Filgueiras Lima, o Lelé, 80 anos, veio para Brasília ainda em 1957, para a construção da cidade. O jovem arquiteto carioca teve a oportunidade de trabalhar com Oscar Niemeyer nos projetos e construções dos primeiros prédios da capital. Quando a UnB foi criada, em 1962, Darcy Ribeiro convidou Lelé para ser diretor executivo do Centro de Planejamento e Niemeyer para coordenar o Instituto de Arquitetura. Na universidade, Lelé deu aula de técnica da construção. ;Nos primeiros anos, havia toda aquela coisa do pioneirismo. Darcy, muito contagiante, achando que tudo ia dar certo sempre. Foi um tempo muito bom ;, lembra.
Com o endurecimento do regime militar, o arquiteto participou da demissão coletiva de 1965, mas permaneceu em Brasília por alguns anos. ;Ainda estava envolvido na construção da cidade. Acompanhei Oscar (Niemeyer) durante muito tempo e trabalhei em obras minhas também.; Atualmente, ele é um dos arquitetos de maior renome do Brasil. Seu trabalho é reconhecido especialmente pelo conjunto de projetos para a Rede Sarah de hospitais. Além de Brasília, cidades como Aracaju, Teresina e Salvador, onde mora, contam com um grande número de projetos seus. ;Eu cheguei a retornar para a UnB depois da anistia, mas fiquei pouco tempo. Tive um infarto;, conta o arquiteto, que projetou o Memorial Darcy Ribeiro (apelidado pelos alunos de Beijódromo), inaugurado no fim de 2010 na UnB.
Homenagem
Um dos grandes físicos brasileiros, Roberto Aureliano Salmeron, 90 anos, também fez parte da cúpula dos primeiros intelectuais que pensaram a Universidade de Brasília. Com doutorado pela Universidade de Manchester, sob orientação do Nobel de Física Patrick M. S. Blackett, Salmeron era o único brasileiro na equipe do Centro Europeu de Pesquisa Nuclear (Cern) quando foi chamado para a UnB. ;Eu estava em Genebra e recebi uma comunicação de Anísio Teixeira para conhecer a universidade. Acho que foi o Darcy Ribeiro que sugeriu ao professor Anísio que me convidasse;, conta Salmeron.
Como primeiro coordenador dos institutos Central de Ciência e Tecnologia e Central de Física, Salmeron acompanhou a intervenção do governo brasileiro na época da ditadura militar e foi um dos primeiros professores a pedir demissão, com outros seis coordenadores de institutos. Logo depois, o físico voltou para o Cern, onde atuou por mais um ano (totalizando uma década no laboratório). Depois, mudou-se para Paris, onde mora até hoje com a mulher, seus três filhos e netos. ;Minha mulher e eu vamos ao Brasil para visitar os amigos e a família, mas na minha idade não volto mais para morar, já estou com 90 anos;, diz, bem-humorado. No fim deste ano, Salmeron esteve em Brasília para uma homenagem oferecida pelo Ministério da Ciência Tecnologia e Inovação (MCTI) e pela Universidade de Brasília (UnB). Em sua passagem pela capital, aproveitou para visitar o Instituto de Física que ajudou a criar. ;A UnB continua sendo uma das universidades importantes do país. Com muita iniciativa, com um corpo de professores da mais alta categoria;.