Ciência e Saúde

Cientistas estudam 'coração de leão' do lendário rei Ricardo, da Inglaterra

Pesquisadores dizem que é o mais antigo coração embalsamado já estudado

Agência France-Presse
postado em 28/02/2013 14:35
Paris - Murta, crisântemo, menta, mercúrio, olíbano... A análise feita por uma equipe francesa do coração embalsamado do rei inglês Ricardo Coração de Leão, mais de 800 anos após sua morte, revela um procedimento de conservação muito elaborado, inspirado em textos bíblicos.

É o mais antigo coração embalsamado já estudado na França. Os resultados foram publicados nesta quinta-feira no site da revista Scientific Reports, do grupo britânico Nature. "Foi um embalsamamento extremamente complexo, muito elaborado", explicou Philippe Charlier, chefe da equipe de médicos legistas, antropólogos, e cientistas que realizou as pesquisas. Especialista em antropologia médico-legal, Charlier esteve à frente da autentificação da cabeça mumificada do rei Henrique IV da França.

[SAIBAMAIS]Sua equipe passou um pente fino numa amostra de 2 gramas, das quase 80 dos restos do coração de Ricardo I, rei cruzado conhecido pela alcunha de "Ricardo Coração de Leão", hoje reduzido a pó. Os restos do coração de Ricardo I estavam em uma caixa de chumbo descoberta em 1838 na catedral de Rouen. A caixa trazia a inscrição "Repousa aqui o coração de Ricardo, rei dos ingleses".



Os exames e análises revelaram "muitos resíduos diferentes", às vezes surpreendentes: um metal - mercúrio -, creosoto - tipo de resíduo orgânico -, vegetais, folhas aromáticas e especiarias (murta, menta, mas também olíbano e crisântemo) e provavelmente cal. "Nós acreditamos que o coração tenha sido aberto, para que o sangue fosse retirado, costurado e colocado em uma toalha de linho", explicou Charlier. Uma proeza técnica para a época, final do século XII. Os primeiros embalsamadores, no referido século, eram cozinheiros e açougueiros "que tinham o hábito de abrir carcaças e tinham aromatizantes a mão".

Cheiro de santidade

Segundo o cientista francês, a presença de olíbano revela "uma referência a Cristo". "O olíbano é um produto reservado à elite, mas sobretudo diretamente de inspiração divina", ressaltou, lembrando que este foi um dos tesouros (incenso) oferecidos pelos Três Reis Magos no nascimento de Jesus. O embalsamamento do coração de Ricardo I teria assim uma dupla função. Trata-se primeiramente de garantir a conservação do órgão, levado de Châlus, na região de Limousin (França), onde o rei morreu, até Rouen, a mais de 500 km de distância.

Segundo as práticas da época e seus desenhos, o corpo do rei foi, na verdade, fragmentado: suas entranhas foram enterradas em Châlus, território inimigo, seu coração, víscera nobre, colocado em uma redoma na catedral de Rouen, território inglês, e o resto de seu corpo foi enterrado da abadia de Fontevraud, em Anjou, perto de seu pai, Henrique II e sua mãe, Leonor da Aquitânia.

Segundo Charlier, "o excessivo cuidado dado a seu coração e o uso de aromáticos dando-lhe um odor de santidade" também poderiam ter a finalidade de levá-lo mais rápido ao paraíso: para alguns religiosos da época, o cavaleiro lendário cometeu muitos crimes, especialmente na Terra Santa, para justificar uma estadia de 33 anos no purgatório. Figura emblemática da Idade Média, Ricardo Coração de Leão morreu em 1199, aos 41 anos, em consequência de ferimentos no ombro provocadas por uma flecha de madeira.

A equipe de Charlier também encontrou nos restos do coração do rei vestígios de bactérias e fungos, sem poder determinar se eles estavam associados ao ferimento - logo causa da morte (gangrena, infecção generalizada), ou a uma degradação pós-morte. "Nós não encontramos mais nada sobre a causa de morte de Ricardo Coração de Leão", afirmou Philippe Charlier do hospital Raymond Poincaré, da universidade de Versailles-Saint-Quentin-en-Yvelines.

O mito de Ricardo Coração de Leão foi popularizado no início do século XIX por Walter Scott, em seu romance Ivanhoé. No cinema, foi retratado em diversos filmes, como "A rosa e a flecha" (1976), "Robin Hood, rei dos pobres" (1991) e "Robin Hood" (2010), de Ridley Scott. Charlier ainda não parou de estudar os ingleses. Atualmente ele trabalha nos restos mortais do duque de Bedford, também chamado de Jean de Lancastre, "que colocou Joana D;Arc na fogueira".

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