;Não tinha estrutura para ter um filho. Estava com 18 anos e trabalhava em casa de família. Arrumei uma enfermeira, indicada por uma amiga, que me levou para a casa dela. Fui sedada e, quando acordei, ela disse que, na minha barriga, tinha gêmeos. Chorei muito. Engravidei de novo e tentei abortar com a tal borrachinha, uma espécie de tubo que eles enfiam na gente. Não deu certo. Cinco anos depois, tive um mioma no útero e o médico disse que poderia ter sido causado pelo primeiro aborto. Perdi o útero. Durante seis anos, não saí de casa. Tive depressão e desenvolvi o transtorno bipolar. Tentei suicídio duas vezes porque o aborto sempre vem na minha cabeça. Quando você se arrepende, dói mesmo. Pedi perdão a Deus, mas nunca mais fui a mesma;
M.S.A, 41 anos
Belo Horizonte ; Em silêncio, 300 mulheres morrem anualmente no Brasil por cometerem um crime: o aborto ilegal. Estima-se que de 800 mil a 1 milhão de brasileiras façam o procedimento por ano, muitas delas em condições desumanas, com o uso de talo de couve, de agulha de crochê e até de aspirador de pó para a retirada do feto. São em média 2,7 mil abortos por dia. Por hora, cerca de 115. Ricas ou pobres, elas encontram na clandestinidade o apoio para dizer não a uma gravidez indesejada. São, perante as leis brasileiras, criminosas, com risco de pena pelo delito de um a três anos de detenção. Para muitas, a prisão está na culpa carregada pelo resto da vida ou nas sequelas sentidas pelo corpo, entre elas, a perda do útero. Polêmico, o assunto é questão de saúde pública e o Brasil começa a dar seus passos para retirá-lo do Código Penal e torná-lo um direito da mulher.
O gatilho para a discussão vem com a reforma do Código Penal, para qual o Conselho Federal de Medicina (CFM) manifestou apoio à autonomia da mulher em abortar até a 12; semana de gestação. Ou seja, a entidade defende que o Brasil não considere o procedimento como crime, garantindo estrutura médica para o ato. O órgão, que representa 400 mil médicos, fez votação entre os conselhos regionais e outras entidades, compostas por médicos, juristas e até padres, e o resultado, divulgado em março, jogou luz sobre o tema. Antes disso, o Conselho Federal de Psicologia já havia se manifestado a favor da descriminalização do aborto, em junho de 2012. Atualmente, o procedimento é permitido em casos de risco de vida para a mãe, de estupro comprovado ou em caso de fetos anencéfalos.