Ciência e Saúde

Com 700 mil anos, DNA de cavalo é o genoma mais antigo já decifrado

Os cientistas verificaram antes se as moléculas dos ossos estavam bem preservadas pelo gelo durante tanto tempo

Agência France-Presse
postado em 26/06/2013 17:36

PARIS - Uma equipe de pesquisadores conseguiu decifrar o genoma de um cavalo de 700 mil anos, de longe o mais antigo genoma já analisado até agora e um feito que permite contemplar a possibilidade de ler o DNA de fósseis que se pensavam danificados demais para fornecer informações exploráveis.

Tudo começou em 2003, com a descoberta de um fragmento de osso fossilizado em uma camada de solo congelado ("permafrost") no território canadense de Yukon.

"Trata-se de um fragmento de metápode, parte de um osso longo da perna. É parcial, com uns 15 centímetros de comprimento por oito de largura", explicou à AFP Ludovic Orlando, cientista francês do Centro de Geo-genética do Museu de História Natural da Dinamarca.

O osso de cavalo permite a comparação morfológica com outros cavalos, pré-históricos ou não. Melhor ainda: é um osso preservado no frio, com 735.000 anos, jacente na camada de permafrost de onde foi extraído.

E apesar de o mais antigo genoma sequenciado até o momento ter sido o do homem de Denisova, dez vezes mais jovem (com idade estimada entre 70.000 a 80.000 anos), a equipe dinamarquesa decidiu enfrentar o desafio e analisá-lo.

"Era uma oportunidade única para fazer avançar ao limite nossas tecnologias (...) Quando começamos, eu mesmo, para ser honesto, pensei que não fosse possível", emendou Orlando, principal autor do estudo, publicado na edição desta quarta-feira da revista Nature.

Os cientistas verificaram antes se as moléculas dos ossos estavam bem preservadas pelo gelo durante tanto tempo. Não só encontraram ali os constituintes do colágeno, proteína principal dos ossos, mas conseguiram sequenciá-la. E, surpresa: desta forma viram outras moléculas, como os marcadores dos vasos sanguíneos que irrigam o osso.

Todas as condições pareciam favorecer a busca do DNA com a tecnologia denominada de "segunda geração", a única disponível na época. Mas, "só conseguimos obter um fragmento de DNA uma vez a cada 200 tentativas", afirmou Orlando.

Um quebra-cabeça com bilhões de peças

Era insuficiente do ponto de vista científico. Os cientistas de Copenhague tentaram, então, fazer algo inédito do ponto de vista tecnológico, beneficiando-se dos avanços recentes da pesquisa médica.

Utilizaram o sequenciamento de "terceira geração", que possibilita sequenciar moléculas de DNA sem manipulá-las, sem amplificá-las, preservando-as ao máximo, uma vez que estavam bastante degradadas pela passagem do tempo.

O resultado foi de três a quatro vezes melhor do que antes. "Tentamos melhorar mais, mudando alguns parâmetros, como a temperatura, o método de extração, etc. De uma sequência equina de 200, passamos assim a 10 vezes mais", disse Orlando.

"Tínhamos muitas peças pequenas, mas como havia muitas, podíamos reuni-las e colocá-las sobre um genoma de referência. Como um copo que estivesse quebrado em mil pedaços, é um quebra-cabeças com bilhões de peças", acrescentou.

"É claramente um membro da espécie do cavalo", primo distante situado "fora do grupo de todos os cavalos modernos", como prova a comparação com o genoma de cinco variedades domésticas, do cavalo de Przewalski (equino selvagem muito próximo do cavalo) e de um equino antigo de 43.000 anos atrás.

"É maior que os pôneis atuais, maior que os cavalos Fjord. Tem o tamanho dos cavalos islandeses", afirmou o pesquisador.

De quebra, os geneticistas demonstraram que o ancestral comum de todos os equinos modernos (cavalos, asnos, zebras, etc) surgiu há 4 milhões de anos, duas vezes mais cedo do que se pensava até agora.

Eles também sugeriram que o cavalo de Przewalski, último remanescente da população de cavalos selvagens, é geneticamente viável apesar dos cruzamentos feitos para salvar a espécie da extinção.

Mas em especial, o feito destes cientistas abre perspectivas até agora impossíveis, permitindo sonhar algum dia com a análise de DNA de animais pré-históricos ou ancestrais do homem que se pensavam inalcançáveis.

"Mais ou menos 10% das moléculas de tamanho muito pequeno sobrevivem além do milhão de anos nestas condições. E a boa notícia é que estas moléculas têm suficiente informação detectável", resumiu o pesquisador.

"Abre-se uma porta que pensávamos que estivesse fechada para sempre! Tudo dependerá do avanço das tecnologias, mas há muitíssimos argumentos para pensar que isto nos levará a uma grande caixa-forte ao invés de a um beco sem saída", assegurou Ludovic Orlando.

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