Em outubro de 1963, o psicólogo norte-americano Stanley Milgram publicou no Journal of Abnormal and Social Psychology um estudo sobre obediência que se tornou conhecido no mundo todo, tanto pelas críticas que recebeu quanto ; e principalmente ; pelo que aparentemente revelava a respeito do comportamento humano. Segundo o professor da Universidade de Yale, pessoas comuns tinham decidido administrar perigosos choques elétricos em um indivíduo inocente simplesmente porque um homem que se dizia cientista as havia convencido de que a punição era importante para a realização de um experimento.
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Os choques não tinham sido de verdade. Tanto o cientista como o alvo das falsas descargas elétricas eram atores contratados por Milgram para que ele pudesse verificar até que ponto as pessoas seguiriam os comandos. Mas, se a punição era falsa, uma realidade perturbadora havia sido revelada, de acordo com o psicólogo. O fato de 65% dos voluntários terem prosseguido até a voltagem mais alta, apesar dos protestos da ;vítima;, mostrava que as pessoas entram em uma espécie de transe (que ele chamou de estado agêntico) quando ficam de frente para uma figura com autoridade, obedecendo cegamente aos seus comandos.
Apesar de muitos colegas terem criticado o estudo, por enganar e submeter pessoas a um grande estresse, a descoberta foi recebida com entusiasmo por vários cientistas e pela mídia. Afinal, o trabalho parecia explicar por que tantos alemães tinham colaborado com o regime nazista, um tema muito debatido na época.
Até hoje, o experimento da máquina de choque continua célebre. É invariavelmente estudado em cursos de psicologia do mundo todo, reproduzido por reality shows da tevê e apareceu até em um episódio do desenho animado Os Simpsons. Apesar de haver poucos pesquisadores que se disporiam a reproduzir o experimento atualmente, muitos são os que consideram os resultados de Milgram capazes de explicar alguns casos de abuso ; o estudo voltou a ser lembrado, por exemplo, quando se tornou pública a tortura infligida por soldados americanos a prisioneiros iraquianos na prisão de Abu Ghraib, em 2004.
Que achados a fizeram questionar os resultados de Milgram?
Várias coisas. Primeiro, eu descobri que Milgram conduziu 24 versões do experimento, cada uma com diferentes roteiros, atores e cenários. Em cerca de metade das variações, 60% dos participantes desobedeceram aos comandos. A maioria das pessoas, equivocadamente, acredita que a maior parte de nós iria até a máxima voltagem na máquina de choque. Isso se deve ao fato de a primeira variação testada por Milgram, na qual 65% de 40 indivíduos foram até a voltagem máxima, ter merecido uma enorme atenção da mídia. Ao longo dos anos, esse primeiro experimento confundiu-se com o resto dos testes, e a visão de que a pesquisa diz algo profundo sobre a natureza humana se espalhou.
O que mais a senhora descobriu?
Vi que muitos participantes expressaram a suspeita de que o experimento era uma armação. Milgram sempre tratou essas afirmações como o tipo de coisa que dizemos para nos sentirmos melhor a respeito do que fizemos. Porém, muitos voluntários escreveram ou telefonaram para Milgram mais tarde e descreveram de forma muito específica o que os havia feito desconfiar de que era uma encenação ; os gritos do aprendiz soavam como se estivessem vindo de um alto-falante (de fato estavam); o pesquisador dava muito a impressão de que não havia nada com o quê se preocupar; algumas pessoas estranharam o fato de o pesquisador observá-los, e não o ;aprendiz;, e por aí vai. Candid Camera era o programa de tevê mais popular naquela época, e as pessoas que se envolveram no experimento estavam acostumadas à ideia do engano e dos truques.
A desconfiança pode realmente ter influenciado os resultados?
Eu me deparei com análises estatísticas feitas por Milgram, mas não publicadas, que comparavam a quantidade de choques dados com a crença das pessoas na veracidade deles. Segundo essa análise, os indivíduos que acreditavam na veracidade da punição deram níveis mais baixos de choque e desistiram do experimento mais cedo.
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