Ciência e Saúde

Durante o período colonial, a Igreja criou uma rede que perseguia pessoas

No século 18, o Brasil registrava 198 desses comissários, representantes diretos do Santo Ofício, que deixou de enviar missões da Europa para julgar casos na colônia

Isabela de Oliveira
postado em 20/02/2014 07:00
Embora a Coroa portuguesa e a Igreja Católica nunca tenham estabelecido um tribunal da Inquisição no Brasil, os colonos não escaparam dos atentos e temidos olhos do Santo Ofício. É o que mostra a tese de doutorado defendida na Universidade de São Paulo (USP) pelo historiador Aldair Carlos Rodrigues. Após analisar documentos guardados na Torre do Tombo, em Portugal, e em algumas cúrias brasileiras, como as de São Paulo e do Rio de Janeiro, o pesquisador mostrou que a Igreja constituiu uma rede de agentes do clero que se encarregou de perseguir e condenar ;praticantes do judaímo;, ;hereges; e ;sodomitas; (homossexuais), entre outros.



Um dos principais objetivos da tese ; vencedora do Prêmio Capes 2013 e do Prêmio Capes Tese Darcy Ribeiro ; foi traçar o perfil sociológico desses agentes, chamados, então, de comissários. Eles eram todos homens brancos, com idade entre 30 e 60 anos, oriundos da elite ou de famílias que estavam em processo de ascensão. Bem instruídos, muitos desses clérigos tinham estudado em Coimbra.

No século 18, o Brasil registrava 198 desses comissários, representantes diretos do Santo Ofício, que deixou de enviar missões da Europa para julgar casos na colônia. De forma lógica, a maioria dos agentes estava distribuída de acordo com a ocupação do território nacional. Pernambuco, Bahia e Rio de Janeiro registraram o maior número ; 51, 45 e 37, respectivamente. Essas regiões já passavam por um processo de desenvolvimento econômico, social e demográfico desde o século 17, diferentemente de Minas Gerais, Pará, São Paulo e Maranhão, onde o número era menor.

Duas perguntas para

Aldair Carlos Rodrigues, autor da pesquisa sobre Inquisição no Brasil e professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)

Por que Portugal nunca estabeleceu um tribunal da Inquisição na colônia americana?


A colonização começou a ganhar força com o avanço da produção açucareira no Nordeste por volta de 1580. É nessa época que se cogita o estabelecimento de um tribunal aqui, principalmente para perseguir os judeus convertidos enriquecidos. O rei espanhol Filipe IV incentivou a ideia, mas exigia que o inquisidor fosse o bispo da Bahia, e o Conselho Geral do Santo Ofício se opôs ao projeto justamente por isso. Dar poderes inquisitoriais ao bispo poderia abrir um precedente perigoso na perseguição às heresias, pois a Inquisição buscava deter um monopólio total nesse campo. Além disso, o Brasil era relativamente próximo de Lisboa, visto que a viagem poderia ser realizada em três meses, em média, dependendo das condições marítimas. O século 17 foi turbulento em decorrência da guerra dos portugueses e espanhóis com os holandeses no Atlântico. Depois, os portugueses enfrentaram a Guerra de Restauração (1640-1668) para obterem a Independência do Reino e pôr fim à União Ibérica, que havia unido a Coroa portuguesa e espanhola de 1580 a 1640. Tudo isso gerou um quadro de grave crise financeira para Portugal, o que inviabilizava a criação de um tribunal dispendioso na colônia.

Quais são os reflexos desse período da história na sociedade de hoje?

Eu acho que ele não aparece na memória nacional. Quem sabe o que é Inquisição acha que é uma coisa da Europa, da Idade Média. Não vemos Inquisição portuguesa nos livros didáticos, e isso ajuda a construir uma identidade de um povo brasileiro que é manso, sem conflitos religiosos. Não existiriam tantos sentenciados na Inquisição portuguesa se não houvesse um apoio tão grande da sociedade e das elites. No entanto, é importante conhecer esse momento para sabermos o que acontece quando se mistura religião e Estado. Se queremos ter liberdade religiosa precisamos defender o Estado.

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