Agência France-Presse
postado em 02/04/2014 13:45
Half Moon Island - O que têm em comum uma alga altamente tóxica e uma gramínea resistente ao frio? Ambas são objeto de estudo de cientistas brasileiros na Antártica, com potencial para o desenvolvimento de produtos e tecnologias que beneficiarão a sociedade, como um potente inseticida e cultivos resistentes a geadas.O biólogo Antonio Batista Pereira, de 65 anos, 28 deles dedicados às pesquisas na Antártica, chefiou uma expedição científica brasileira em Half Moon Island, onde fica a base argentina Teniente Camara.
Ao longo de um mês, entre fevereiro e março, o grupo de dois homens e duas mulheres se dedicou a estudar comunidades vegetais em áreas de degelo na Antártica, como a gramínea Deschampsia antarctica, resistente ao frio, e a alga Prasiola crispa, de elevada toxicidade.
Batista explicou que a vegetação antártica é submetida a um forte estresse, com muito frio e vento, alta luminosidade no verão e escuridão no inverno, extremos que fazem com que desenvolva processos metabólicos secundários importantes, que podem ser usados na biotecnologia.
"Por enquanto, fazemos ciência básica. Mas temos que fazer isto para depois encontrar uma aplicação prática", disse Batista a jornalistas em visita à Antártica, admitindo fazer "bioprospecção" (exploração de organismos vivos) no continente gelado.
O cientista afirmou que desenvolver produtos com base nestas substâncias pode levar 20 anos de estudos e testes. Por isso, depois das pesquisas de campo na Antártica, ele e sua equipe terão muito trabalho estudando as amostras no Brasil.
Em laboratório, o extrato da alga demonstrou ser um eficiente inseticida. Quanto à gramínea, será preciso isolar as proteínas que evitam seu congelamento, fornecendo subsídios para desenvolver tecnologias de preservação de material vivo, como o sêmen, e cultivos, como cana-de-açúcar, resistentes à geada, que causam prejuízos aos agricultores no sul do Brasil.
A Antártida é a nova América
Batista lembrou que na época dos descobrimentos, a América era a última fronteira e chegar lá era questão de soberania. Hoje, a Antártica é o que o Novo Continente foi para os europeus e a presença no último território intocado do planeta é questão estratégica.
"Isso aqui é uma questão de soberania nacional. Se vocês voltarem aos anos 1500, quanto dinheiro os europeus gastaram para tentar vir para a América? O que isso representou? A Antártica está no mesmo nível", comparou Batista.
Para o veterano pesquisador da Universidade Federal do Pampa (Unipampa), em São Gabriel, Rio Grande do Sul (sul), é preciso que o Brasil invista mais em pesquisas no continente gelad, sobretudo na área de biotecnologia, no âmbito do Programa Antártico Brasileiro (Proantar).
O Proantar foi criado em 1982, sete anos depois de o Brasil ingressar como membro pleno do Tratado Antártico, em 1975. Este papel garante ao país ter papel ativo nas decisões sobre a preservação ambiental e o futuro do continente, bem como participar das reuniões consultivas do Tratado (ATMCs). O país sediará a próxima ATCM, prevista para 12 a 21 de maio, em Brasília.
Quanto aos investimentos em pesquisas, no ano passado, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTi) aprovaram R$ 13,808 milhões para financiar 20 projetos inscritos no Proantar até 2015.
O montante, sutilmente superior ao financiamento anterior - de R$ 13,880 milhões entre 2009 e 2013 -, será usado no pagamento de bolsas de pesquisa, equipamentos, material, diárias e passagens nos próximos dois anos.
Riqueza ameaçada
As espécies estudadas pela equipe do professor Batista demonstram o potencial genético das espécies antárticas, uma riqueza que pode estar ameaçada pelas mudanças climáticas.
"Nas nossas últimas expedições, algumas doenças têm aparecido muito mais frequentemente em plantas antárticas. Ainda não sabemos se devido às mudanças climáticas ou não, mas são muito comuns doenças em musgos e na grama Deschampsia, que estão causando mortalidade exagerada", alertou o biólogo Jair Putzke, especialista em identificação de plantas antárticas, que desde 1986 acompanha Batista em expedições na Antártica.
"Se as plantas estão morrendo, o impacto disso nas comunidades antárticas é fenomenal. Plantas que estão infectadas com algumas doenças podem causar o declínio da população de outros grupos que dependem dessas plantas em outros pontos da Antártica", afirmou Putzke, 46 anos, professor da Universidade de Santa Cruz do Sul (Rio Grande do Sul).
Segundo o cientista, a causa desta mortandade seria a proliferação de fungos e, embora ainda não seja possível afirmar categoricamente que a causa disto seja o aquecimento global, já se sabe que a temperatura da água na região antártica está 3 graus centígrados acima da média nos últimos 15 anos.