Há quase quatro anos, o engenheiro e climatologista Carlos Afonso Nobre deixou de ser exclusivamente cientista para assumir também o cargo de secretário de Políticas e Programas de Pesquisa e Desenvolvimento do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI). Considerado um dos maiores especialistas mundiais em mudanças climáticas, ele diz que, na Esplanada, descobriu que os políticos brasileiros estão sensíveis ao tema e, mesmo setores mais conservadores, como o do agronegócio, não negam os impactos que as alterações nos padrões de temperatura e precipitação devem provocar.
[SAIBAMAIS]Carlos Nobre participa do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) das Nações Unidas e conta que as discussões sobre a relação entre o aquecimento do planeta e a saúde humana são antigas, mas só recentemente os estudos científicos ficaram mais robustos, ampliando o debate no âmbito da ONU. ;O IPCC foi gradativamente avançando muito, e, realmente, o capítulo de saúde de 2014 foi mais abrangente porque as pesquisas ficaram muito melhores quantitativa e qualitativamente;, diz.
Para ele, políticas públicas que precisam ser implementadas independentemente de o clima mudar podem minimizar e mesmo evitar por completo as consequências que o IPCC prevê para a saúde humana. Nobre lembra, por exemplo, que a vacina contra a dengue é algo a ser perseguido, não porque as alterações na temperatura e no regime de chuva devem ampliar a abrangência da doença, mas pela importância que, hoje, a enfermidade já tem no Brasil e em outros países tropicais. Ao mesmo tempo, o cientista não descarta a importância de preparar o sistema de saúde para enfermidades que podem surgir, a partir da perturbação da natureza: ;As mudanças climáticas agudizam alguns dos problemas ambientais que conduzem a estresses no sistema de saúde e na saúde das pessoas;, diz, em entrevista ao Correio.
Foi apenas recentemente que o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) começou a se aprofundar mais na relação entre as mudanças climáticas e a saúde?
Desde o segundo relatório do IPCC, em 1995, o tema de saúde aparece. No terceiro relatório, em 2001, o tema foi bem mais delineado; em 2007, tinha um capítulo mais específico; e esse de 2014 tratou com muito mais detalhe. O que talvez seja mais correto afirmar é que as pesquisas que relacionam possíveis mudanças climáticas com saúde humana avançaram muito nos últimos 20 anos. O IPCC não cria nem inventa nada, ele sintetiza o estado do conhecimento sobre todos os aspectos das mudanças climáticas, inclusive os impactos setoriais, como os na área da saúde. Na década de 1980, havia uma ênfase muito grande em demonstrar cientificamente que aumentar a concentração de gases de efeito estufa na atmosfera causaria uma mudança climática, então, muito da ciência foi na demonstração sólida, robusta, de que o efeito é real, está acontecendo. A partir daí, na hora que você tem uma boa razão para esperar uma mudança climática, você faz duas perguntas paralelas: como evitar isso no futuro, que é reduzindo as emissões, e como atenuar os impactos. E, para poder saber como atenuar os impactos, você tem de saber quais são esses impactos. Então, o IPCC foi gradativamente avançando muito, e, realmente, o capítulo de saúde de 2014 foi mais abrangente porque as pesquisas ficaram muito melhores quantitativa e qualitativamente.
Mas ainda é muito difícil quantificar e qualificar essa influência na saúde?
A saúde é um setor no qual políticas públicas têm um papel tão preponderante que um potencial impacto adverso pode ser atenuado ou completamente eliminado com elas. Vou dar um exemplo simples. Hoje, a dengue é um problema enorme nos países tropicais e está chegando às latitudes médias. Agora, vamos supor que, de hoje até algum momento no futuro, se descubra uma cura total e completa para a dengue, uma vacina. Então, se daqui a algumas décadas, o mosquitinho chegar ao sul dos Estados Unidos ou a Buenos Aires, deixou de ser um problema. A ecologia não vai mudar: aqueceu, o mosquitinho vai, cada vez mais, para o sul e para o norte, ele vai expandir o seu domínio porque ele vive em climas quentes. Mas, se for descoberta a cura da dengue, esse impacto na saúde será um não impacto. A política pública da saúde pode ir em várias direções e pode minimizar ou mesmo eliminar um impacto em potencial. A saúde tem essa natureza, que é de descoberta de cura para uma eventual doença. Portanto, uma ação muito importante de adaptação aos impactos na saúde, embora muito óbvia, é avançar com políticas públicas que diminuam tremendamente as doenças.
São políticas que teriam de existir independentemente das mudanças climáticas.
Eu diria praticamente independente. Se você pensar bem, seria até de certo modo injusto alguém pensar que ;a vacina ou a cura da dengue só vai acontecer quando ela chegar aos Estados Unidos ou à Europa porque, aí, os laboratórios farmacêuticos vão procurar (a cura);, mas não é bem isso. Temos que buscar cura e solução para os problemas de saúde globalmente. Portanto, a mudança climática é um fator menor.