postado em 14/10/2014 23:08
A presidente da Rede Nacional pela Humanização do Parto e Nascimento (ReHuNa), Daphne Rattner, defendeu maior participação da mulher nas decisões sobre parto no Brasil. Em entrevista à Agência Brasil, ela destacou que as pesquisas feitas sobre o tema são suficientes para que haja uma mudança de conduta no país, onde predominam atualmente as cesarianas. Dados do Ministério da Saúde indicam que, em 2010, 52% dos partos no país foram cesarianas. Na rede privada, o índice nacional de cesáreas chegou a 82%, e na rede pública, a 37%. Daphne, que também é diretora da International MotherBaby Childbirth Organization (Imbco),acrescentou que o percentual geral de cesarianas no Brasil subiu para 55,7%, em 2012.Segundo a médica, esse tipo de parto não depende só do conhecimento científico. ;Se dependesse só disso, faz tempo que nós ter íamos reduzido esse tipo de cirurgia, que continua aumentando de 1% a 2% ao ano, no Brasil;, disse. Por isso, reiterou que a informação fornecida por estudos e pesquisas é importante, mas sozinha, ela não gera uma mudança de atitude entre os profissionais e as mulheres.
Daphne Rattner participa no Rio de Janeiro de conferência internacional sobre o parto normal. Na avaliação da presidenta da ReHuNa, o grande problema da saúde no Brasil é a multicausalidade. ;Existe a parte histórica, em que se pagava mais pelo parto cesáreo do que pelo parto normal;, citou, lembrando também que houve uma época em que era proibido fazer laqueadura e ;o pessoal aproveitava e fazia [laqueadura] durante a cesárea;. Outra parte, que considerou não desprezível, é a comodidade dos profissionais. Destacou que é possível se agendar várias cesáreas em um dia, ao contrário do parto normal, que demora. ;A gente não sabe a que hora vai começar o trabalho de parto;. E ele pode ocorrer em fins de semana, em feriados, no Natal, mencionou.
A cesariana envolve a questão da conveniência e do planejamento. ;No parto normal, ele [bebê] chega de repente;. Disse que essa multicausalidade, que embute o processo histórico, mais a conveniência e o planejamento, leva muitas mulheres a quererem adotar o mesmo padrão de vida de personalidades famosas como a ex-jogadora de basquete Hortência, que agendou a cesárea dos filhos de acordo com o mapa astral, ou o cantor Caetano Veloso, que marcou a intervenção da então mulher Paula Lavigne, para que o nascimento do filho coincidisse com o do maestro e compositor Antonio Carlos Jobim, no dia 25 de janeiro. ;Se eles podem, por que eu não posso? Pensam algumas mulheres. Eles são modelos de comportamento social, são formadores de opinião;, disse.
Segundo Daphne Rattner, vai ser preciso um esforço grande para levar o conhecimento científico às mulheres para que possam fazer escolhas bem formadas. Apesar de a informação ser importante, ressaltou que sem a tomada de consciência das mulheres e a oferta de partos humanizados que respeitem a fisiologia, em que a mulher possa participar das decisões, ;vai ser muito difícil mudar;.
Um fato mais sério, apontou a presidenta da ReHuNa, é que nas faculdades de medicina, os estudantes não aprendem como funciona o parto normal. ;Só intervenções. Eles se sentem inseguros de assistir a partos normais. Então, além das mulheres, nós temos que mudar radicalmente o jeito como a obstetrícia é ensinada nas faculdades de medicina e de enfermagem;. Nesse caso, ressaltou o papel que o Ministério da Educação tem que assumir e promover uma mudança nos currículos, de modo a ensinar o que é parto normal. Observou que o Ministério da Saúde vem fazendo um grande esforço com a Rede Cegonha, política pública que favorece o parto normal. Mas criticou o fato de, na saúde suplementar, a taxa de intervenções cesáreas beirar 85%, enquanto a Organização Mundial da Saúde recomenda 10% a 15% de cesarianas. ;É um absurdo;.
Ela celebrou, porém, o fato de cada vez mais as mulheres estarem mais conscientes de que a cesárea tira delas uma experiência ;única e gratificante;, que é o parto normal. Recordou que na semana passada, sete mulheres em Uberlândia, Minas Gerais, se mobilizaram e conseguiram obter do promotor público a garantia de terem um parto vaginal humanizado, em hospitais da cidade. Ela disse ainda, que as mulheres, para fugir de intervenções cesáreas, que podem pagar, estão buscando o parto domiciliar ou o Sistema Único de Saúde (SUS), ;porque sabem que na rede privada, não vão conseguir [fazer o parto normal];.