Ciência e Saúde

DNA dos camelos guarda chave para tratamentos de asma e diabetes

Conclusões estão em estudo que avaliou o genoma desses ruminantes

Isabela de Oliveira
postado em 22/10/2014 06:00
Modelos de tolerância: Animais resistem a temperaturas superiores a 40ºC

Um estudo publicado na revista especializada Nature Communications revela, a partir do sequenciamento de DNA, quais adaptações evolutivas permitem que os camelos sobrevivam às condições extremas do deserto. De acordo com os autores, o número de corcovas pode ter relação com a capacidade de resistência desses animais. Eles dizem ainda que os detalhes do genoma do animal pode melhorar a compreensão sobre os efeitos das mudanças climáticas, além de auxiliar no desenvolvimento de tratamentos contra doenças como asma e diabetes.

Por conseguirem tolerar perdas de água de até 25% e temperaturas acima dos 40;C, camelos são modelos ideais para o estudo das adaptações ao deserto. Foi por isso que pesquisadores de instituições da China, Arábia Saudita e Dinamarca sequenciaram, pela primeira vez, o DNA e RNA do camelo-bactriano, exemplar asiático de duas corcovas. Outros dois representantes da classe dos camelídeos, o dromedário árabe ; que possui uma única corcova ; e a alpaca sul-americana também tiveram o genoma mapeado.

As informações genéticas desses animais sugerem que os camelos, mas não a alpaca, passaram por um processo evolutivo específico. Eles tiveram uma evolução acelerada nos genes envolvidos nas respostas imunes e no reparo de danos ao DNA. Em comparação com a alpaca, também ficou evidente que os genes relacionados com o desenvolvimento do pulmão ocorreu em passo acelerado, possivelmente para permitir que os representantes do deserto resistissem à atmosfera empoeirada e arenosa.

Os genes relacionados à percepção visual também progrediram velozmente, sugerindo que os camelos possuem uma base genética para lidar com a exposição prolongada à luz ultravioleta sem prejuízos à visão. Além disso, o sódio e potássio, importantes para a reabsorção de água, são metabolizados de forma mais eficiente do que na alpaca e no gado. Os pesquisadores verificaram, ainda, que os níveis de glicose são elevados nos camelos. Característica que é, segundo os autores, uma estratégia para garantir energia em épocas de restrição de água.

Os cientistas sugerem que a característica mais marcante dos camelos, a corcova, apareceu junto com a edição genética. Esses reservatórios de gordura, que podem pesar até 80 kg, respondem de maneiras diferentes ao metabolismo. Portanto, quanto mais corcovas, mais resistente o animal é. Essa, entretanto, é uma teoria que necessita de comprovação. Apesar da necessidade de mais estudos, Jun Wang, autor sênior da pesquisa, diz que a descoberta de genes envolvidos na adaptação ao ambiente do deserto já pode ser aplicada em programas de melhoramento, permitindo a geração de animais mais resistentes e produtivos.

;Além disso, a pesquisa pode fornecer alguma perspectiva sobre doenças. Futuros estudos podem contribuir para uma compreensão detalhada de mecanismos fisiológicos importantes para problemas médicos humanos como, por exemplo, as ligações entre metabolismo de sódio e hipertensão, hiperglicemia e diabetes, obesidade e metabolismo de gordura e poeira com doenças respiratórias;, acredita Wang, do Instituto de Genômica de Pequim. Ele sugere que os genomas dos camelídios podem, ainda, ser recursos valiosos para estudar as adaptações biológicas em tempos de aquecimento global e seca.

PALAVRA DE ESPECIALISTA
A corcunda do camelo e dromedário é semelhante ao cupim do boi, sendo uma adaptação do músculo trapézio, que é entremeado com tecido gorduroso. Ela serve para estocar energia, mas ainda não se sabe porque ela evoluiu assim. Os parentes sul-americanos dos camelos são a lhama, vicunha, guanaco e alpaca. Eles são menores, e pesam de 100 a 200 kg. Ao contrário dos exemplares asiáticos e africanos, não são adaptados ao calor extremo, mas sim às altitudes, sendo capazes de obter o oxigênio em concentrações baixas. Já os camelos são resistente à desidratação, podendo perder até 25% da água corporal. Com menos que isso, outro animal não sobrevive: quando há 10% de perda, o bicho está em risco de morte. Para que os camelos tenham essa habilidade, possuem hemáceas de formato elíptico, e não circulares com uma depressão central como outros espécimes. Eles também têm a urina mais concentrada, e há mais reproveitamento da água das fezes, que são ressecadas. Eles, e também as alpacas, conseguem sobreviver com uma comida pobre e seca, meio morta pelo calor.
Maria Elvira Loyola Teixeira da Costa, veterinária e responsável pela área de nutrição do Jardim Zoológico de Belo Horizonte.

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