Paloma Oliveto
postado em 14/12/2014 12:01
Principal causa de morte no Brasil, o acidente vascular cerebral isquêmico, condição caracterizada pela falta de suprimento de sangue no cérebro, costuma deixar graves sequelas nos sobreviventes. Sem oxigenação suficiente, ocorre a destruição de importantes redes de células e, em consequência, surgem problemas como dificuldade para falar e compreender o que os outros dizem, sensação de anestesia no corpo, impossibilidade de gesticular, deficits visuais e paralisias motoras.
Aliando duas abordagens já existentes, pesquisadores belgas conseguiram resultados promissores na reabilitação de pacientes que sofreram derrame e ficaram com duas sequelas bastante comuns: a afasia e a hemiparesia. A primeira relaciona-se à área da linguagem e é marcada pela inabilidade de formar e entender palavras faladas. A segunda trata-se de uma fraqueza muscular muito forte, o que acaba atrapalhando a execução de movimentos. ;O AVC é uma patologia devastadora, causa restrições nas atividades do dia a dia, como limitações motoras devido à fraqueza nos membros superiores, na maior parte dos pacientes;, diz o neurologista Patrice Laloux, da Universidade Católica de Louvain e um dos autores do estudo publicado na revista Brain.
Segundo Laloux, a neurorreabilitação busca melhorar a função motora residual e restaurar a independência das vítimas de derrames, mas o impacto dessa abordagem ainda é limitado. ;Por isso, estratégias inovadoras para melhorar a recuperação dos pacientes têm sido desenvolvidas, e apostamos nelas para devolver a qualidade de vida a essas pessoas.; Com pesquisadores do Departamento de Neurologia da Universidade de Namur, Laloux testou a eficácia de duas abordagens que, em separado, já têm conseguido bons resultados na reabilitação dos pacientes.
[SAIBAMAIS]Uma delas é a estimulação transcraniana por corrente contínua, um método não invasivo usado para impulsionar a atividade dos neurônios. Alguns estudos sobre a aplicação dessa técnica em pessoas que sofreram AVCs indicam bons resultados, ressalta Laloux. Outro tratamento utilizado há muito tempo e incorporado na pesquisa belga foi o reaprendizado motor. ;Em outras palavras, significa aprender a reconfigurar toda a rede cerebral associada às tarefas motoras para melhorar o planejamento, a execução e o controle dos movimentos do membro afetado. Na reabilitação pós-derrame, o reaprendizado motor desempenha uma tarefa central;, explica Yves Vandermeeren, neurologista de Namur e coautor do estudo.
Os pesquisadores recrutaram 19 pacientes para testar se, juntas, as duas técnicas ofereceriam melhores resultados que quando aplicadas separadamente. Os voluntários participaram de um experimento duplo cego ; quando nem o cientista nem o participante do estudo sabe quem está recebendo o tratamento real ou o placebo ; no qual executaram os exercícios de reaprendizagem enquanto ocorria a estimulação craniana por corrente contínua. Na semana seguinte, voltaram ao laboratório para verificar se tinham retido o aprendizado, isso é, se ainda conseguiam fazer os movimentos. Ao mesmo tempo, eram escaneados por ressonância magnética, um exame não invasivo que mapeia a ativação das regiões cerebrais.
Cérebro ativado
Embora a performance dos movimentos não tenha diferido muito, os 10 voluntários que, de fato, fizeram sessões de reabilitação motora enquanto eram submetidos à estimulação elétrica demonstraram uma melhor fixação do aprendizado na semana seguinte, comparado aos nove que estavam no grupo de placebo. O exame de ressonância magnética foi o que mais surpreendeu os pesquisadores. ;Em apenas uma semana, houve um resultado incrível, com as regiões cerebrais ativadas quase da mesma maneira que de uma pessoa que não sofreu um acidente vascular;, diz Vandermeeren.
David Wright, neurologista da Universidade de Manchester que estuda estratégias de reabilitação pós-derrame, observa que, depois de um AVC, partes do cérebro morrem e não se recuperam mais. ;Para compensar, outras regiões podem alterar suas funções a fim de tomar controle do comportamento perdido ; uma forma de plasticidade cerebral;, diz. Wright, que não participou desse estudo, acredita que estratégias combinadas podem beneficiar mais os pacientes trazendo impactos significativos para a melhoria da qualidade de vida dos sobreviventes de AVCs.
;Embora pacientes com afasia tendem a recuperar de forma considerável após o derrame, a maior parte das reabilitações demora até seis meses para ocorrer e são, de certa forma, incompletas. A grande parte dos pacientes continua a sofrer importantes deficits crônicos e, para eles, o tratamento convencional mostra-se menos efetivo;, avalia Wright. ;Portanto, há uma necessidade cada vez maior de desenvolver novas intervenções.; Mesmo entusiasmado com os resultados, ele observa que novos estudos com uma quantidade mais expressiva de participantes precisam ser feitos para que se confirme os achados da equipe belga.