Jornal Correio Braziliense

Ciência e Saúde

Burocracia atrasa liberação de remédios à base de maconha, dizem cientistas

Substância é utilizada em vários países para alívio da dor e do sofrimento, mas no Brasil, o uso esbarra em falta de regulamentação e de conhecimento

Deixar de fornecer remédios à base de substâncias derivadas da maconha é uma crueldade contra pacientes que têm doenças crônicas. A opinião é do neurocientista Sidarta Ribeiro, um dos mais importantes pesquisadores da área, professor e diretor titular do Instituto do Cérebro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Segundo ele, a maconha é utilizada em vários países para alívio da dor e do sofrimento, mas no Brasil, o uso esbarra em falta de regulamentação e de conhecimento de órgãos de classe, que dificultam o tratamento.



Na medicina, outra mudança recomendada pelos especialistas para facilitar o acesso a tratamentos com medicamentos à base de substâncias da maconha é a flexibilização de norma do Conselho Federal de Medicina (CFM), de 2014, que só permite o uso do canabidiol em crianças e adolescentes com epilepsia e que não respondem ao tratamento convencional.

;Não há comprovação científica suficiente para que o CFM reconheça esse fármaco como eficiente;, alegou o conselheiro da entidade, Salomão Rodrigues. Ele diz ainda que há possibilidade de substâncias presentes na maconha, como o THC, provocarem efeitos psicóticos.

[SAIBAMAIS]Sidarta Ribeiro discorda do CFM e diz que centenas de estudo atestam a utilização segura de remédios de maconha na Europa, nos Estados Unidos e em Israel. O país do Oriente Médio, por exemplo, prescreve substâncias in natura na forma de óleo, fumada, vaporizada e em alimentos, como biscoito. ;As pessoas não estão acompanhando a literatura [científica], estão ignorando uma quantidade enorme de evidências para empurrar decisões;, criticou.

O diretor do Instituto do Cérebro também explicou que todas as substâncias têm grupos de risco e perigos relacionados à dosagem acima das prescrições. ;Das substâncias que temos, a maconha é uma das mais seguras, a sobredose não mata, como mata a de dipirona;, exemplificou.

Para o cientista Elisaldo Carlini, um mais respeitados pesquisadores de drogas no Brasil, há 62 anos, o que atrasa o uso da maconha medicinal no país são mitos e preconceitos, incluindo aqueles de fundo racista. ;O preconceito racial nesse país chega a tal ponto que hoje preconceito se alimenta de preconceito;, afirmou ele, que também participou do seminário. ;E preciso mais pressão popular para o Brasil usar algo que o mundo já usa;, acrescentou.

Para autorizar o plantio de maconha para pesquisa e para o uso medicinal, a Anvisa pretende montar um grupo de trabalho e elaborar uma regulamentação específica, com a participação de órgãos de governo, como a Polícia Federal, além de pesquisadores. ;Pretende-se ainda ampliar a participação após a evolução das atividades, que se encontram na fase inicial, por meio de convites a outros órgãos e instituições;, informou em nota enviada à Agência Brasil.

Em relação ao uso de medicamentos com substâncias da cannabis, a agência explicou que analisa pedido para autorizar o uso de remédios à base de canabidiol e tetra-hidrocanabinol (THC), mas não esclareceu se os remédios serão com a substância in natura ou sintética, que é feita em laboratório.