Ciência e Saúde

Descoberta de variantes da depressão auxilia na prevenção da doença

Pesquisadores detectam duas variantes que podem ter relação direta com o tipo mais grave da doença, após sequenciamento do DNA de mulheres que enfrentam o transtorno

Paloma Oliveto
postado em 16/07/2015 06:08

Pesquisadores detectam duas variantes que podem ter relação direta com o tipo mais grave da doença, após sequenciamento do DNA de mulheres que enfrentam o transtorno
Para algumas pessoas, viver dói demais. Elas sofrem de transtorno depressivo maior (TDM), o tipo mais severo e recorrente de depressão, um problema extremamente incapacitante, com prevalência mundial estimada de 8% a 12%. Diferentemente de alguns subtipos do distúrbio psiquiátrico, como o reativo, que surge após um episódio estressante, ou aquele associado a determinados períodos, como o pré-menstrual, esse é deflagrado sem motivo aparente e persiste ao longo de semanas, meses ou anos. O fato de, comumente, manifestar-se em várias gerações de uma mesma família leva os cientistas a crerem que o problema também tem raízes genéticas. Um estudo publicado na revista Nature confirma a ideia, ao apresentar dois genes que podem exercer um importante papel na doença.

Pesquisadores do Consórcio Converge ; um projeto de cinco anos envolvendo a Universidade de Oxford, na Inglaterra; o Hospital Shan Hua, da China; e a Universidade Comunitária da Virgínia, nos EUA ; detectaram duas variantes genéticas no cromossomo 10 presentes em pacientes de TDM, mas não em pessoas que estão livres do problema. Os cientistas compararam o sequenciamento genético de 5.303 mulheres diagnosticadas com diversos episódios depressivos ao de 5.337 voluntárias do grupo de controle e encontraram, nas primeiras, modificações próximas aos genes SIRT1 e LHPP. Embora destaquem o caráter multifatorial da doença, que é complexa e também tem componentes ambientais, os autores do artigo consideram ;robustas; as evidências da participação das variantes no TDM.

;A depressão é uma doença com prevalência muito grande e com um enorme custo econômico e social; contudo, ainda assim, os tratamentos disponíveis são quase todos sintomáticos. Eles não tratam a causa, mas aliviam os sintomas;, observa Jonathan Flint, um dos autores do estudo e pesquisador de genética psiquiátrica Instituto Wellcome Trust, na Inglaterra. ;Ao identificar variantes genéticas que aumentam o risco do transtorno, isso poderia levar a estratégias de prevenção, além de favorecer o desenvolvimento de novas e mais efetivas terapias;, afirma. De acordo com ele, por mais que acontecimentos externos possam estar ligados à enfermidade psiquiátrica, ela tem uma base biológica importante que, até hoje, é pouco esclarecida.

As dificuldades para compreender a depressão, explica Patrick F. Sulliman, professor de Genética e Psiquiatria da Universidade da Carolina do Norte, começam com a própria definição do transtorno. ;A tristeza é normal e faz parte da condição humana;, lembra o médico, que não participou do estudo. Contudo, não tão raramente, ela se torna mais intensa e persistente, além de associada a outros sintomas, típicos do TDM: mudanças no padrão de sono, no apetite e até nas funções cognitivas, e o surgimento de pensamentos suicidas. Ainda assim, Sulliman destaca que não é fácil traçar a linha que separa a normalidade da patologia. Enquanto, para outras enfermidades, existem exames para determinar a distinção, isso não acontece no caso da depressão. ;Não há testes laboratoriais que nos ajudem a saber quando a tristeza se torna TDM;, diz.

Hereditariedade
Já no início do século 20, alguns pesquisadores desconfiavam que essa diferença poderia ter uma explicação biológica. Os primeiros estudos mostrando que a depressão patológica atinge pessoas da mesma família indicaram que ter um parente de primeiro grau com o transtorno aumenta em quase três vezes o risco de desenvolver o mesmo mal. Em 2006, uma pesquisa de grande amostragem realizada com gêmeos idênticos encontrou um índice de 38% de hereditariedade. Além disso, segundo Flint, há evidências consistentes de que mulheres são mais propensas a herdar o problema: 40% contra 30%, comparadas aos homens, conforme um estudo de 2001. Os achados foram determinantes para que o Consórcio Converage escolhesse incluir apenas o público feminino na pesquisa que, durante cinco anos, investigou a genética da depressão em uma amostra de mais de cinco mil pessoas atendidas no Hospital Shan Hua, na China.

Além de sequenciar o DNA das mulheres com histórico de TDM e daquelas sem o problema, os pesquisadores entrevistaram todas as participantes para verificar a ocorrência de adversidades ao longo da vida, incluindo histórico de abuso sexual na infância e outros eventos estressantes. Eles observaram que, entre as pacientes com depressão recorrente, eram comuns as duas variantes genéticas, sendo que uma delas fica próxima a um gene envolvido na produção de mitocôndrias, as estruturas celulares produtoras de energia. Para Jonatahn Flint, esse pode ser um biomarcador molecular da doença. ;Isso pode ter importantes implicações para compreendermos melhor a biologia da doença;, diz. Contudo, o psiquiatra destaca que, provavelmente, há muitos outros genes envolvidos. ;A depressão é um problema extremamente complexo, com diversas causas e origens, e essa complexidade, provavelmente, também é genética;, afirma.

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