De todas as pesquisas geniais que realizou, a que Darwin tinha em maior consideração não aparece na célebre obra A origem das espécies. Na realidade, foi a constatação de que uma mesma planta pode apresentar flores distintas que mais empolgou o naturalista inglês. ;Nenhuma outra descoberta minha jamais me deu tanto prazer quanto desvendar o significado da heterostilia das flores;, escreveu em sua autobiografia, em 1887. O que pouca gente sabe é que o fenômeno já havia sido observado muito antes, ainda no século 16.
Heterostilia é o termo, cunhado por Charles Darwin, para descrever um processo que ocorre em cerca de 30 famílias de angiospermas. Nessas plantas, uma mesma espécie tem duas ou três formas florais que diferem na altura e no arranjo das estruturas sexuais masculina e feminina. Trata-se de uma estratégia adaptativa para evitar a autofecundação, já que, em 80% das angiospermas, uma mesma flor tem as duas estruturas.
As observações darwinianas se deram sobre a prímula, um gênero de flores que inclui cerca de 500 espécies. Essas plantas também são estudadas, hoje, pelo biólogo Philip M. Gilmartin, da Universidade de East Anglia, na Inglaterra. Cento e cinquenta e três anos depois da publicação de um artigo de Darwin a respeito das observações sobre heterostilia, Gilmartin pesquisa os genes por trás do fenômeno nesse grupo.
Um dia, ele olhava antigas gravuras de prímula quando uma imagem em particular chamou a sua atenção. Em uma edição do Flora Londinenses, obra pioneira do botânico William Curtis, produzida entre 1777 e 1798, havia um desenho em que, claramente, apareciam duas formas diversas de uma mesma espécie da flor, a Prímula vulgaris. As investigações genéticas de Curtis foram colocadas de lado momentaneamente, e o botânico se dedicou a um estudo sobre as origens das observações da heterostilia nas prímulas. O resultado da pesquisa aparece em um artigo publicado na revista Ne w hepatologista, no qual ele recupera a história das pesquisas que acabaram pavimentando o trabalho darwiniano.
De fato, Darwin sabia que não era o primeiro a perceber as duas formas florais em uma mesma espécie, esclarece Gilmartin. Contudo, até o naturalista, que contou com a ajuda dos filhos para colher mais de 500 exemplares de prímulas para análise, nenhum cientista havia desenvolvido qualquer teoria sobre a heterostilia, que nem nome tinha. Pelas correspondências de Darwin, um missivista prolixo, o pesquisador de East Anglia detectou o que Darwin conhecia sobre trabalhos anteriores e quais não tinham chegado a suas mãos.
;Por volta de 1877, quando o livro Formas diferentes de uma flor foi publicado, Darwin descobriu que a heterostilia tinha sido observada e documentada previamente, tanto na prímula, em 1794, quanto no gênero Homotonia, em 1793. Ele claramente leu o trabalho do botânico alemão Cristian Conrado Prensável sobre a homotonia, que descreve precisamente algumas flores como tendo ;ante-os localizados dentro do tubo da corola e o estilete se estendendo acima, e outras com estames maiores que o tubo da corola e estiletes mais curtos;;, afirma. ;Ele, inclusive, notou a sagacidade de Prensável, usando as próprias palavras de Darwin, em sugerir que esse fenômeno não era algo aleatório, mas um dispositivo da natureza;, diz.
Medicina
Gilmartin destaca que o naturalista inglês não se apropriou indevidamente das ideias alheias. ;Diferentemente de Darwin, Prensável não especulou sobre a razão para essas diferenças;, diz. Sobre as prímulas, o professor de East Anglia encontrou citações de Darwin a respeito do trabalho do sul-africano Cristian Hendecândria Persooníea, um ano após a publicação de Formas diferentes de uma flor. Persooníea, porém, acreditava que não se tratava de uma mesma flor, mas de duas variantes dentro de uma espécie.
As citações que se encaixam no conceito de heterostilia remontam a um tempo ainda mais longínquo: o século 16. Em 1943, o botânico holandês W. van Dijá publicou análises de textos latinos do flamengo Carol us Clusinos, considerado o fundador da horticultura, produzidos em 1583 e 1601. No livro, Van Dijá afirma que estava lendo Mariorama planta rum historia, obra de Clusinos do início do século 17, quando se deparou com descrições sobre as diferenças entre as formas da prímula com estilete longo e curto. O próprio Clusius dizia que essas observações haviam sido feitas por ele mesmo em 1583.
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