Ciência e Saúde

Sujeira fixada em construções das cidades tem alto potencial poluidor

Especialmente quando exposto à luz solar, o material libera de maneira rápida gases prejudiciais à saúde e ao meio ambiente

Roberta Machado
postado em 18/08/2015 06:07

A poluição que preenche o ar das grandes cidades avança para a atmosfera, cobre a paisagem e invade os pulmões de quem respira o ar contaminado. Os culpados por esse fenômeno são velhos conhecidos do crescimento urbano, como as fábricas e os automóveis, que queimam combustíveis em troca de uma interminável nuvem de fumaça. No entanto, essa dinâmica esconde um agente secreto, que passa incógnito aos olhos das vítimas da poluição: os edifícios. Pesquisadores canadenses foram capazes de demonstrar que parte das emissões nocivas ao meio ambiente e à saúde que afetam as grandes cidades têm origem na sujeira que cobre as construções urbanas.

O estudo, apresentado ontem no Encontro Nacional da Sociedade Americana de Química (ACS, na sigla em inglês), mostra como os óxidos de nitrogênio liberados entre os poluentes acabam ;presos; na superfície de prédios, monumentos e todo tipo de grande superfície construída em uma grande cidade. O gás poluente sofre reações em contato com outros elementos e acaba depositado na fuligem em forma de ácido nítrico, pentóxido de dinitrogênio e partículas de nitrato de amônio.

O contato com o sol, então, causa uma reação fotoquímica, que libera o material para o estado gasoso. De volta ao ar, os compostos podem se combinar com outros poluentes e produzir ozônio, um gás que afeta a capacidade pulmonar. ;A liberação dos óxidos de nitrogênio na fase gasosa é muito mais rápida (na presença da luz) do que o esperado;, ressalta James Donaldson, pesquisador do Departamento de Química da Universidade de Toronto. ;No momento, nós não sabemos exatamente por que ela é tão rápida, mas há algumas ideias que ainda precisam ser testadas;, adiciona.

O grupo estuda o fenômeno há 15 anos e, inicialmente, realizou experimentos de laboratório com o auxílio de fontes artificiais de luz. Quando expostos à iluminação, os compostos de nitrato desapareciam da fuligem a uma velocidade 10 vezes maior do que fariam se estivessem misturados a uma solução à base de água. E, se comparada à sujeira mantida no escuro, a mistura colocada no ambiente de simulação solar perdia os óxidos de nitrogênio em ritmo muito mais acelerado. Os dados indicam que a luz ativa uma reação química sobre o poluente adormecido, convertendo o material à sua forma ativa e liberando-o para a atmosfera.

Esses resultados foram confirmados agora em um novo estudo feito no ambiente real de duas cidades: Leipzig, na Alemanha, e Toronto, no Canadá. Na primeira, que tem pouco mais de meio milhão de habitantes, os pesquisadores colocaram pequenas esferas de vidro sobre prédios localizados no centro urbano, onde os objetos poderiam coletar a poluição emitida naquela região. Enquanto parte das bolinhas ficou exposta à luz do sol, a outra foi propositalmente escondida em locais acessíveis à fumaça, mas que não recebiam a radiação natural. O material foi recolhido e analisado seis semanas depois.

A fuligem acumulada nas esferas que receberam luz solar tinha 10% menos nitratos do que a sujeira recolhida pelo vidro mantido na sombra. A diferença não poderia ser justificada por outros fatores, como a lavagem promovida periodicamente pela água da chuva. Para os pesquisadores, o resultado comprova os índices obtidos nos experimentos de laboratório. Em Toronto, foi conduzida uma versão mais longa desse mesmo experimento, mas os dados ainda estão sendo analisados. A expectativa é que eles forneçam um retrato mais detalhado do fenômeno, incluindo como ele muda de acordo com as estações do ano.

Mudança de cenário
Donaldson ressalta que os modelos que descrevem a dinâmica de poluição em centros urbanos não incluem o processo de ;reciclagem; dos óxidos de nitrogênio. Assim, podem ignorar uma grande quantidade de informação e até mesmo subestimar o potencial de formação de gás ozônio em centros urbanos. ;A nova liberação de óxidos de nitrogênio certamente afeta a poluição local, já que o dióxido de nitrogênio em si é um poluente, mas também reage com a luz do sol para formar o ozônio;, descreve. Os pesquisadores ainda não sabem dizer se o mesmo processo pode acontecer com outros dos milhares de compostos químicos que formam a fuligem encontrada em metrópoles afetadas pela poluição.

O impacto dessa ;reciclagem; de poluentes ainda não pode ser medido e, provavelmente, é diferente, de acordo com o clima e a localização de cada cidade. Os autores dos estudos assumem a falta de dados que possam quantificar o efeito do fenômeno, um fato que é recebido com ressalvas por especialistas. ;Embora digam que o processo de fato ocorra sobre a superfície dos prédios, através da liberação de óxidos de nitrogênio provenientes das substâncias orgânicas sobre eles depositadas, parece haver dúvida quanto à extensão do problema;, ressalta William Zamboni de Mello, coordenador do Programa de Pós-Graduação em Geociências da Universidade Federal Fluminense (UFF).

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