Após 12 anos sem revisar suas recomendações sobre a mamografia, a Sociedade Americana de Câncer (ACS, na sigla em inglês) propõe no Journal of the American Medical Association (Jama) que as mulheres sejam mais autônomas na decisão de como e quando iniciar os exames preventivos para o câncer de mama. Os norte-americanos entendem que os testes podem começar mais tarde, aos 45 anos. Indo contra a diretriz de 2003, a entidade acrescenta que, a partir dos 55 anos, a triagem deve ser bienal, e não mais todos os anos. Nada impede, contudo, que mulheres de 40 anos ou a partir dos 55 realizem a prevenção anual. Além disso, exames clínicos de rotina, feitos pelo médico no próprio consultório, devem ser desconsiderados para diagnósticos, reforça a organização. Por enquanto, a Sociedade Brasileira de Mastologia (SBM) e o Ministério da Saúde (MS) não pretendem alterar os procedimentos brasileiros, que são diferentes (veja quadro) dos sugeridos agora pelos americanos.
Em 2003, a ACS recomendou que as mamografias e exames clínicos deveriam ser feitos anualmente, a partir dos 40 anos. Segundo a entidade, as alterações divulgadas ontem são baseadas em estudos recentes, particularmente um conduzido por Evan Myers, do Duke Clinical Research Institute, nos Estados Unidos. A equipe liderada pelo médico analisou dados da incidência de câncer de mama entre mulheres de 40 a 44 anos. O grupo concluiu que há menor ; apesar de não insignificante ; incidência da doença nessa faixa etária.
Segundo os pesquisadores, esse dado, somado ao fato de a mamografia muitas vezes apontar resultados falso positivos e levar a receios e biópsias desnecessárias, põe em xeque a recomendação direta de mamografia aos 40 anos. Há, ainda, o efeito cumulativo dos níveis mínimos de radiação intrínseca ao exame. Além de gerar pânico por uma doença que não existe, a confusão encarece os serviços médicos.
Um outro estudo que também orientou a ACS ; feito pela Universidade da Califórnia e publicado no jornal científico Jama Oncology ; conclui que uma mamografia a cada dois anos é suficiente para mulheres na pós-menopausa. A pesquisa pondera que o exame anual pode ser realizado para aumentar as chances de detecção precoce de tumores, mas as pacientes devem pesar se o benefício compensa o susto dos alarmes falsos.
Redução de custos
Para o coordenador do Núcleo de Mastologia do Hospital Sírio-Libanês em São Paulo, Alfredo Barros, as alterações parecem motivadas mais por questões financeiras do que por argumentos sólidos sobre os benefícios de adiar a mamografia. ;Para mim, parece que a decisão tem algo a ver com as questões das fontes pagadoras e do próprio governo americano, que está muito preocupado em baratear os custos do sistema de saúde lá. Eu não vejo uma evidência científica para alterar a rotina de exames de 40 para 45 anos, nem deixar de realizá-lo anualmente entre mulheres de 55 a 75 anos;, considera Barros, que também é professor da Universidade de São Paulo (USP) e membro da SBM.
A SBM traz recomendações diferentes das adotadas pelo Ministério da Saúde brasileiro sobre quando e como realizar a mamografia. A sociedade médica defende o exame anual a partir dos 40 anos. Já o Instituto Nacional de Câncer (Inca), ligado ao MS, o considera prioritário a partir dos 50, devendo ser repetido a cada dois anos. A assessoria de imprensa do ministério ressalta que o governo segue as diretrizes da Organização Mundial da Saúde e lembra que o Sistema Único de Saúde oferece a mamografia também para mulheres mais novas com sintomas ou risco elevado.
Alfredo Barros acredita que as alterações anunciadas agora não devem mudar muito a rotina nos consultórios americanos ; e muito menos nos brasileiros, visto que, no país, os benefícios do exame são praticamente um consenso. A prevenção, segundo ele, detecta alterações que só se manifestariam entre 55 e 60 anos. E, quando diagnosticado precocemente, o câncer tem a mortalidade reduzida em 30%.
O médico, contudo, aponta que o estudo que serviu de base para a ACS traz informações importantes para as pacientes. ;É interessante que as mulheres de 40 a 45 anos saibam que podem ter o que os médicos chamam de falso positivo, que é quando uma alteração parece ser câncer, mas não é, segundo a biópsia. A nomenclatura é errada, porque um falso positivo só ocorreria se o resultado saísse errado da biópsia, e não é isso. É interessante convidar a paciente para participar mais da decisão de fazer o exame, permitindo que o médico converse com ela sobre a possibilidade de ser anual ou bienal;, diz o mastologista.
Histórico familiar
Evan Myers, o principal autor da nova proposta, argumenta que a orientação visa a fornecer um norte tanto para os médicos quanto para o público. ;A diretriz é especialmente pensada para o encontro clínico;, afirma. Myers diz que as mulheres devem ser encorajadas a discutir o histórico familiar com o clínico, que deve verificar o perfil de risco de cada paciente. Ele ressalta, contudo, que, quando há casos de câncer de mama entre parentes de primeiro grau, a mulher não deve adiar a mamografia.
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