Ciência e Saúde

Pesquisadores encontram DNA da bactéria que matou milhares na Idade Média

Além de ajudar na compreensão de doenças atuais, a descoberta pode reescrever episódios históricos, como a queda do Império Romano

Paloma Oliveto
postado em 23/10/2015 06:05

Esqueleto de indivíduo dos Yamnaya, que viviam na Ásia Central: esse povo foi um dos primeiros atingidos pela bactéria Y. pestis

Por onde ela passava, a morte abria seu manto, cingindo o maior número possível de almas. Como uma arma de destruição em massa, a peste dizimou a Europa em diversas ocasiões e, até que se descobrisse que era disseminada por pulgas escondidas no pelo de ratos, chegou a exterminar metade da população do planeta. As grandes epidemias medievais e das idades moderna e contemporânea são bem documentadas, mas um estudo divulgado hoje na revista Cell sugere que, muito antes disso, a bactéria Y. pestis já rondava a humanidade.

De acordo com os pesquisadores, há mais de 5 mil anos, indivíduos na Eurásia eram infectados pela peste. Até então, a evidência mais antiga de DNA da Y. pestis estava em um fóssil humano datado de 1,5 mil anos. Agora, porém, o material genético do micro-organismo foi detectado em ossos de pessoas que viveram entre 2.782 a.C. e 951 a.C., em locais onde hoje são Sibéria, Estônia, Rússia, Polônia e Armênia. Contudo, embora infecciosa e comum ; dos 101 fósseis analisados, sete estavam contaminados por ela ;, a bactéria, naqueles tempos, era menos patógena e letal, comparado às cepas que provocaram as pandemias milênios depois.

Ainda assim, essa versão mais amena da Y. pestis já era assustadora em um mundo com limitados saberes médicos. Tanto que, provavelmente, foi responsável por deslocamentos humanos na Eurásia, justamente o ponto de partida da equipe de pesquisadores que a detectou nos fósseis. O trabalho dos especialistas, liderados pelo Centro de GeoGenética da Universidade de Copenhague (Dinamarca), baseia-se em um estudo anterior, realizado há alguns meses por Eske Willerslev, da instituição dinamarquesa, e Kristian Kristiansen, pesquisador da Universidade de Gotenburgo, na Suécia, ambos autores dos dois estudos. Ao investigar o geonoma de indivíduos da Idade do Bronze (entre 3000 a.C. e 5000 a.C.), eles perceberam que os eurasianos começaram a migrar intensamente no período ; os deslocamentos, inclusive, deram origem à maior parte da estrutura demográfica atual da Europa e da Ásia.

Lições do passado
Ao se indagarem do que aquelas pessoas estavam fugindo, os cientistas suspeitaram que o inimigo não era visível a olho nu. ;Recentemente, genomas antigos da Idade do Bronze na Europa e na Ásia demonstraram esses movimentos populacionais em larga escala, que resultaram em miscigenação e realocações. Muitos achados arqueológicos bem documentados comprovam as migrações. Ao debater o que poderia ter ocorrido, achamos plausível que epidemias de peste poderiam facilitar esses eventos dinâmicos;, observa Morten Allentoft, da Universidade de Copenhague e coautor do estudo. ;Esses povos poderiam se movimentar tanto para fugir da peste quanto para recolonizar locais que haviam sido dizimados pelas epidemias;, diz.

Os cientistas, então, sequenciaram o DNA dos dentes de indivíduos que viveram na Eurásia e cujos fósseis se encontram em museus ou foram escavados em pesquisas anteriores. Foi detectado material genético da Y. pestis em 7% dos indivíduos analisados. ;Existem várias cepas dessa bactéria. Nosso estudo mostrou que o ancestral comum mais recente de todas elas é quase 6 mil anos mais antigo do que acreditávamos até agora;, destaca Allentoft.

O principal autor do estudo, Eske Willerslev, afirma que os resultados genéticos indicam que a peste não só se originou há mais tempo do que se pensava, mas também já estava disseminada bem antes do estimado. ;O estudo muda nossa visão sobre quando e como a peste influenciou as populações humanas e abre novas janelas para a pesquisa sobre a evolução das doenças;, afirma. ;Ao entendermos os mecanismos evolutivos que ajudaram a Y. pestis a se adaptar e a sobreviver à passagem do tempo ; ela ainda hoje está presente no mundo moderno ;, nós temos a oportunidade de compreender como novos patógenos podem surgir e, ao longo do tempo, reforçar sua virulência;, completa.

Teoria plausível

Também coautor do trabalho, Simon Rasmussen, da Universidade Técnica da Dinamarca, ressalta que a pesquisa ajuda, ainda, a esclarecer alguns pontos da história. A bactéria causadora da peste vive em pulgas que se alojam no pelo de ratos, por isso a doença também é chamada de peste bubônica. Sabe-se que a Y. pestis foi a responsável pela praga de Justiniano ; em referência ao imperador bizantino do século 6 d.C. ;, pela qual 100 milhões de pessoas podem ter sido vitimadas. Muitos historiadores, inclusive, defendem que a pandemia, que durou até o século 8 d.C., contribuiu para a queda do Império Romano.

A bactéria também está por trás da peste negra, a epidemia bubônica que dizimou de 30% a 50% da população da Europa, no século 13. A Terceira Pandemia, surgida na China em 1850 e responsável pela morte de 10 milhões de indivíduos, foi a última grande manifestação da Y. pestis, que continua a rondar a humanidade, mas é combatida facilmente por antibióticos.

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