Rígidos e cheios de espinhos, os cactos podem dar a impressão de não terem muita serventia. A forma externa, no entanto, esconde um interior suculento, capaz de alimentar o gado criado em regiões áridas ou semiáridas e oferecer água às pessoas nos momentos de escassez. Além disso, essas plantas costumam integrar delicadas redes ecológicas, nas quais animais de determinada região dependem diretamente delas para sobreviver.
Apesar da importância, os cardeiros, como são chamados em alguns locais da Região Nordeste, estão ameaçados. Segundo estudo da União Internacional para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais (IUNC, na sigla em inglês), quase um terço dos cactos do planeta sofre ameaça de extinção em algum nível. O artigo, publicado recentemente na revista científica Nature Plants, é resultado do trabalho de botânicos de vários países e serve como alerta sobre a importância de ações de preservação.
Os cactos são originários das Américas, parte do globo onde foram catalogadas 1.480 espécies da planta. Somente um tipo ocorre naturalmente na Ásia e na África, tendo sido, provavelmente, levado por aves migratórias que carregaram sementes no estômago. ;No Brasil, são 260 espécies;, informa a botânica Daniela Zappi, do Jardim Botânico Real de Kew, na Inglaterra, coordenadora do estudo. Por isso, explica, a participação de pesquisadores do país foi fundamental. Integraram a equipe especialistas da Universidade Estadual de Feira de Santana (Uefs), na Bahia, e da Fundação Gaia, no Rio Grande do Sul.
A maior diversidade de espécies no país é encontrada entre a caatinga e o cerrado, especialmente na Bahia. Marlon Machado, pesquisador da Uefs, mostrou no estudo que esse pedaço do território nacional se caracteriza por alto endemismo, ou seja, muitas variedades de planta só existem ali. A transformação de um morro de pedra ou uma montanha em área de mineração, por exemplo, pode significar a extinção de uma espécie.
E uma grande variedade de cactos vive em terrenos valiosos para a extração de minérios ou pedras ornamentais. ;Muitas das cactáceas endêmicas do leste do Brasil ocorrem em substrato extremamente específico. Por exemplo, a Arthrocereus glaziovii é endêmica de Minas Gerais e ocorre diretamente sobre canga;, diz Daniella Zappi, referindo-se ao substrato rochoso rico em ferro.
Ameaça
As espécies mais ameaçadas, no entanto, são as de menor porte, cuja aparência tem atraído cada vez mais colecionadores, que acabam estimulando a extração indiscriminada de variedades raras. Esse problema é muito comum também no Rio Grande do Sul, estado que, poucos sabem, abriga uma grande variedade de cactos, principalmente dos gêneros Parodia e Frailea, que parecem mais bolotas ou cilindros espinhosos de onde brotam flores vistosas.
Nesse estado, outra ameaça vem, ironicamente, de uma tecnologia que busca preservar a natureza: a construção de parques eólicos (usinas de energia produzida pelo vento). ;Os cactos do Sul estão localizados, na maioria das vezes, no topo de morros rochosos, locais em que há pouca água na superfície devido à rápida drenagem pelas pedras. Esses locais são ideais para a construção das torres eólicas, que acabam por tirar o espaço dessas plantas;, explica João Larocca, da Fundação Gaia.
Segundo o cientista, no Rio Grande do Sul e no Uruguai existem 70 espécies, sendo que três delas estão em situação de extrema ameaça, e outras 25, em perigo de extinção. A situação preocupa o especialista, para quem essas plantas podem ter uma função importantíssima para a região daqui a alguns anos. ;No passado, o clima do Rio Grande do Sul e do Uruguai era bem diferente, muito seco, e os cactos dessa região eram muitos. Se voltarmos a ter um clima assim, essas plantas serão fundamentais para repovoar o ecossistema.;