Apesar dos avanços notáveis em estudos sobre o estado de coma e de outros distúrbios de consciência, os médicos continuam com ferramentas limitadas para determinar o prognóstico de um paciente nessa condição. Uma solução pode vir de um trabalho de pesquisadores do Instituto Nacional Francês de Pesquisa (Insern U825). Eles descrevem, na edição da revista Neurology, como identificar por exames de imagem marcadores mais precisos da atividade cerebral residual durante o coma. Dessa forma, seria possível, segundo eles, prever as chances que um paciente tem de recobrar a consciência.
A equipe liderada pelo venezuelano Stein Silva utilizou exames de ressonância magnética para determinar a extensão de danos na comunicação de diferentes áreas do cérebro. Após comparar o funcionamento cerebral de 27 pacientes em coma provocado por lesões cerebrais graves com o de um grupo de 14 pessoas saudáveis e na mesma faixa etária, Silva notou que aqueles que não conseguiram recobrar a consciência após três meses tinham as atividades do córtex cingulado posterior e do córtex pré-frontal diferentes das dos demais, incluindo os que saíram do quadro.
Silva chegou a essa conclusão após submeter todos os participantes do estudo à ressonância magnética funcional (fMRI). Nenhum estava sob efeito de sedativos no momento do exame. Faz sentido que os pacientes comatosos tenham disfunções maiores nessas duas áreas porque o córtex cingulado posterior e o córtex pré-frontal desempenham, sobretudo, funções ligadas ao sistema límbico ; relacionado com o estado emocional dos indivíduos. Além disso, ambos têm conexões com o sistema ativador reticular ascendente, responsável pelo estado de vigília do corpo humano.
Os resultados, considera o cientista, aumentam a compreensão do problema e as perspectivas para novos tratamentos. ;Crucialmente, descobrimos que lesões cerebrais responsáveis pelo coma agudo causam uma grande reorganização de redes cerebrais. A partir desses resultados, pode-se sugerir que o grau de perturbação da comunicação de neurônios entre algumas regiões-chave poderia ser utilizado como o marcador mais preciso da atividade cerebral durante o coma, mesmo em casos de ausência completa de comportamento motor evidente;, detalha Silva.
Pela primeira vez, foi possível observar, ainda nas primeiras fases do coma, que o nível de perturbação nessa rede tem um valor prognóstico. Ou seja, ajuda a embasar as análises médicas de recuperação. A identificação desse biomarcadores por neuroimagem poderia, acredita o autor, auxiliar médicos a tomarem decisões e facilitar o desenvolvimento de novas ferramentas terapêuticas que modulassem a comunicação dessas áreas-chave do cérebro.
;Os achados podem representar uma enorme mudança na forma como os cuidados médicos são feitos hoje, pois podem evitar danos secundários ao cérebro a partir de tratamentos mais personalizados e centrados na restauração da rede cerebral;, acrescenta o pesquisador venezuelano sediado na França há mais de 20 anos. Antes disso, porém, o trabalho precisa ser mais aprofundado, ressalta Silva. Em nenhum momento da pesquisa, os autores interferiram nos cuidados dos pacientes. ;Mas estudos futuros com maior número de pessoas precisam ser feitos para comprovar esses resultados promissores;, pondera.
Análise clínica
Tiago Freitas, presidente da Sociedade Brasileira de Neuromodulação, explica que existem alguns fatores clínicos e escalas para auxiliar os médicos a darem um prognóstico de pacientes com coma. Uma dessas medidas é a escala de Glasgow (ECG), que varia de três a 15. Um paciente com trauma de crânio que tem escala menor que oito é considerado em coma. ;Além das escalas neurológicas, fatores pessoais como a idade, o uso de substâncias que podem lesar o cérebro (drogas e álcool) e a natureza da lesão podem influenciar na chance de recuperação;, completa o também neurocirurgião do Hospital Santa Lúcia e neurocirurgião funcional do Instituto da Dor de Brasília (Indor).
Os tratamentos variam conforme a lesão que provocou o coma. Em caso de acidente vascular cerebral causado por uma ruptura de aneurisma, por exemplo, a terapia consistirá em fechar o aneurisma. Além do tratamento da condição que desencadeou o problema, existe uma série de medidas utilizadas na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) para proteger o cérebro de sequelas: controle da pressão intracraniana, indução de coma para diminuição do metabolismo cerebral e, consequentemente, diminuição das lesões por isquemia (falta de sangue) ou hipóxia (falta de oxigênio). Há ainda o uso de substâncias que diminuem o inchaço do cérebro, completa Tiago Freitas.
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