A retomada dos trabalhos na conferência climática das Nações Unidas em Paris, a COP21, foi marcada por uma notícia que, embora muito positiva, foi insuficiente para tranquilizar os especialistas. No dia em que ministros de Meio Ambiente e de Energia dos 195 países participantes iniciaram o debate para chegar ao formato final de um acordo que ajude a controlar o aquecimento global, um estudo feito por cientistas de várias partes do mundo indicou que as emissões de dióxido de carbono (CO2) podem diminuir em 2015.
Segundo a pesquisa, publicada na revista especializada Nature Climate Change, as emissões globais do gás causador do efeito estufa podem apresentar uma redução de 0,6% este ano. Seria a primeira queda em um ano de aumento de produção de bens ; há previsão de que a economia global cresça por volta de 3%. A conclusão, assinada por 70 especialistas em clima, é embasada pela observação de que, após apresentar um forte aumento nos últimos anos, o lançamento de CO2 na atmosfera devido ao uso de combustíveis fósseis e à atividade industrial desacelerou em 2014, quando cresceu apenas 0,6%.
;Estamos vendo agora que as emissões parecem ter desacelerado e poderiam até cair levemente em 2015;, resumiu Corinne Le Quéré, diretora do Centro Tyndall, na University of East Anglia e líder do estudo. ;Esses números não são típicos da trajetória de crescimento observada desde 2000, quando o crescimento anual ficou entre 2% e 3%;, acrescentou.
Os responsáveis pela análise, integrantes da iniciativa Global Carbon Project, analisaram dados de consumo de energia da China e dos Estados Unidos ; os dois maiores poluidores do mundo ;, além de previsões as tendências globais de economia do resto do mundo. De acordo com Le Quéré, a possível queda nas emissões se deve especialmente à China, que reduziu o uso de usinas de carvão em sua reestruturação produtiva.
O estudo apontou ainda os quatro maiores emissores de carbono em 2014: China (com 27%), EUA (15%). União Europeia (10%) e Índia (7%). ;Se a desaceleração das emissões vai se manter, depende do uso que a China fará do carvão e também de como as novas necessidades de energia serão supridas. Em 2014, mais da metade dos novos usos de energia dos chineses veio de fontes renováveis, como hidrelétricas, usinas nucleares, eólica e solar;, afirmou a líder do estudo.
Em um comentário para a Nature Climate Change, o professor Robert Jackson, da Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, frisou que, no ano passado, o uso de petróleo teve um crescimento menor do que o de fontes renováveis. ;Plantas de energia eólica e solar registraram crescimento recorde em termos de capacidade no ano passado e devem aumentar ainda mais em 2015;, ressaltou.
Sem comemoração
Apesar das boas novas, os especialistas dizem que ainda não chegou a hora de comemorar a reversão das emissões. Segundo eles, não é possível dizer que a humanidade atingiu o tão aguardado ;ano de pico;, a partir do qual as emissões começarão a declinar. ;É importante lembrar que nossa projeção para 2015 é uma estimativa, e sempre haverá uma margem de incerteza. Nesse caso, as emissões podem oscilar entre uma queda de 1,5% e um aumento de 0,5%;, explicou Lé Quéré. ;Nós ainda não podemos comemorar. Dois anos de aparente estabilização das emissões não são uma tendência;, completou, à agência de notícias France-Presse, Martin Kaiser, chefe de políticas climáticas internacionais do Greenpeace.
Vale lembrar ainda que 2015 será marcado como o ano mais quente da história até agora e por ter registrado, pela primeira vez, uma concentração de CO2 na atmosfera na ordem de 400ppm (partes por milhão). Não há contradição nesse último dado e as informações trazidas pela pesquisa, explicam os cientistas, porque o carbono lançado vai se acumulando na atmosfera e demora décadas para se dissipar. Assim, mesmo que as emissões tenham, de fato, caído este ano, todo o gás lançado nos últimos anos continua existindo e fazendo os termômetros subirem.
Por isso, as delegações presentes na COP21 sabem que não podem usar os novos dados como argumento para um acordo menos ambicioso. Como lembrou Todd Stern, negociador-chefe dos Estados Unidos na conferência, a boa nova não tinha impacto nas negociações. Os dados também não ajudaram a amenizar o discurso do secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, que abriu a fase ministerial das discussões. ;A catástrofe climática nos ameaça;, advertiu Ban. ;O mundo espera mais que meias medidas;, continuou.
Contra o relógio
Como costuma acontecer em todas as conferências climáticas da ONU, a corrida contra o relógio marca as reuniões. Os ministros planejam fechar um acordo até a próxima sexta-feira, mas dezenas de pontos sem consenso ainda precisam ser debatidos. O objetivo principal é alcançar um acordo, aplicável a partir de 2020, para conter o aquecimento global a um máximo de 2;C em relação à era pré-industrial, mas nem sobre isso há concordância.
Os países insulares exigem medidas para conter o aumento da temperatura a 1,5;C, uma perspectiva que encontra resistência entre os grandes emissores. ;Se salvarmos Tuvalu, salvamos o mundo;, declarou Enele Sosene Sopoaga, primeiro-ministro do arquipélago, cuja existência está ameaçada pela elevação das águas do Pacífico.
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