Ciência e Saúde

Cientista que descobriu Alzheimer disse que doença não era "apenas velhice"

Hoje, a enfermidade incurável está entre as mais temidas e letais do mundo

Isabela de Oliveira
postado em 19/12/2015 08:10

Auguste D., uma mulher de 51 anos, internou-se no Asilo Municipal para Lunáticos e Epilépticos, em Frankfurt, em 25 de novembro de 1901. Apenas um dia de internação havia se passado quando foi examinada pelo psiquiatra Alois Alzheimer. Ela sabia como se chamava, mas não o sobrenome nem o nome do marido, que a deixou no manicômio. Sentada na cama com ;expressão desolada;, conforme Alzheimer descreveu em um documento de 32 folhas detalhando a admissão e o histórico da paciente, Auguste não diferenciava alimentos comidos no almoço ; confundia carne de porco com batatas e rabanete, por exemplo ; nem conseguia lembrar objetos mostrados minutos antes. A alemã foi o primeiro caso descrito da enfermidade que leva o nome de seu descobridor, a doença de Alzheimer (DA).

Hoje, acadêmicos do mundo inteiro lembram o centenário da morte de Alois Alzheimer, médico e cientista nascido em 14 de junho de 1864, em Marktbreit, Alemanha. Graduado em medicina pelas universidades de Berlim, Tübingen e Wurzberg, ele começou a carreira em dezembro de 1888 no asilo em que Auguste foi internada e foi promovido em poucos anos. Além da demência degenerativa vascular (arteriosclerótica), Alzheimer se interessava por psicose, psiquiatria forense, epilepsia e controle de natalidade. Particularidades da trajetória dele foram narradas recentemente por pesquisadores do Centro de Pesquisa em Demência na revista especializada Brain ; A Journal of Neurology.

Os detalhes do caso de Auguste D. só foram conhecidos em 1995, quando pesquisadores alemães encontraram o prontuário manuscrito por Alzheimer e quatro fotografias. A paciente estava sã até março de 1901, quando uma paranoia sobre a infidelidade do marido com a vizinha começou a perturbar a rotina familiar. Ela, então, começou a apresentar dificuldades para se lembrar das coisas, preparar as refeições e cuidar de dinheiro. Abandonada pelo marido no asilo, a mulher dizia frequentemente: ;Eu me perdi de mim mesma;. Conforme Alzheimer conta nos manuscritos, ela se comportava como cega, tocando faces de outros pacientes, que a repeliam.

Auguste se manteve na instituição até a sua morte, em 1904, ano em que Alzheimer atuava no Royal Psychiatric Clinic sob supervisão de Emil Kraepelin, em Munique. Lá, desenvolveu pesquisas no cérebro de Auguste, constatando que a mulher apresentava ;emaranhados e placas; que pareciam prejudicar e matar os neurônios. Esses eram os primeiros indícios do que, anos depois, foi chamado de placas beta-amiloides e proteína tau. Em 1906, o psiquiatra chegou a propor em um congresso de cientistas que o caso da alemã fosse classificado como doença. Recebeu pouca atenção.

Naquela época, a demência era considerada uma condição inerente ao envelhecimento. Pacientes jovens diagnosticados com DA faziam parte da rara condição de pré-senilidade. Emil Kraepelin publicou trabalhos reforçando a teoria de que a condição de Auguste era uma enfermidade. Mas foi apenas em 1955 que estudos do psiquiatra britânico Martin Roth questionaram se a demência era, de fato, um estado natural do envelhecimento. A separação dos conceitos ocorreu no fim década de 1960 e, só então, nasceu a corrente de formuladores de políticas públicas e cientistas engajados em destrinchar a doença de Alzheimer a fim de curá-la preveni-la.

Debilitante
No mundo inteiro, cerca de 40 milhões de pessoas sofrem de demência, sendo a doença a principal causa da condição debilitante. A enfermidade, agora, provoca terror em quem a conhece. Uma pesquisa recente do Reino Unido constatou que o Alzheimer é a maior preocupação dos britânicos ao envelhecerem, sendo mais temido que cânceres e morte de familiares e amigos. A aflição faz sentido, visto que não existe um medicamento capaz de curar a enfermidade. O geriatra Otávio Castello, diretor do Departamento Científico da Associação Brasileira de Alzheimer (ABRAz), explica que, entre 85 e 90 anos, um em cada três indivíduos terá a doença.

;As pessoas devem pensar que, quando chegarem à velhice, ou elas estarão doentes ou terão algum ente muito amado com Alzheimer. Além do drama familiar que provoca, ele custa US$ 820 bilhões por ano com serviços médicos diretos e indiretos, por exemplo cuidadores, medicamentos e impactos nos sistemas de saúde;, detalha. Isso significa que, se a DA fosse um país, representaria a 16; economia mundial, ficando entre Holanda e Turquia. Caso fosse uma empresa, ficaria à frente do Google e da Apple, que valem US$ 247 bilhões e US$ 173,7 bilhões, respectivamente.

;Além disso, existe algo muito importante que coloca o Alzheimer como pauta do dia: com o envelhecimento da população, o número de casos aumentará mais rapidamente ainda. Em 2050, a quantidade de pessoas com mais de 60 anos será próxima de 25% no Brasil;, alerta Castello. Atualmente, a DA é uma das 10 maiores causas de morte no mundo, com o diferencial de ser a única incurável e potencialmente letal. ;A pessoa definha, perde a capacidade de memória, planejamento e raciocínio. Sua progressão afeta também as capacidades físicas. Se existisse um verbo para definir essa doença, com certeza, seria desaprender, pois a pessoa perde a habilidade de cuidar de si e de suas coisas. Quando está em um estágio avançado de DA, desaprende a andar, levantar, sentar, controlar urina e fezes;, detalha o médico.

DUAS PERGUNTAS// Otávio Nóbrega*

*Vice-presidente da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia e professor da disciplina de Genética da Universidade de Brasília (UnB).


E qual o maior desafio para enfrentar a doença de Alzheimer (DA)?
Não somos educados para preservar nossos cérebros. A educação permite, e não somete a formal, que idosos aprendam coisas novas. Mas para uma pessoa de baixa escolaridade, isso é difícil. O que explica porque DA dobra entre analfabetos. Felizmente, é um fator de risco modificável. Apesar disso, isso é um desafio para o Brasil, que ainda não tem um sistema educacional de qualidade. Cuidar da alimentação e praticar exercícios físicos também é protetivo.Além disso, até hoje as pessoas consideram que DA é uma fatalidade inerente ao envelhecimento, e precisamos desmistificar isso. O recado mais importante é que as pessoas pensem sobre isso: as famílias estão cada vez menores e as pessoas, mais velhas. Quem vai cuidar desses idosos? O Estado, por enquanto, não tem estrutura.


Como o diagnóstico é recebido pelos pacientes?
Os casos são classificados em leves, médios e graves, e a maioria dos pacientes recebe o diagnóstico em estágio leve, quando ainda compreendem e sabem de tudo. É impactante e difícil, eles ficam emocionalmente abaladas e os médicos buscam ser o mais condescendentes possível. Muitas vezes é necessário prescrever antidepressivos também. Como não tem cura, aconselhamos o paciente a organizar a vida pessoal e financeira. Mas isso não significa que a doença seja uma sentença de morte. As pessoas vivem muito tempo, ainda que mais ou menos debilitadas.

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