Paloma Oliveto
postado em 03/02/2016 11:54
Há milhares de anos, essas pragas tiram o sono do homem. Como vampiros, à noite elas saem dos esconderijos para satisfazer a sede de sangue. Banqueteiam-se de suas vítimas, que dormem sem saber que são um prato cheio para os percevejos-de-cama (Cimex lectularius). As marcas estarão pela manhã: manchas vermelhas na pele e muita coceira. Nos últimos anos, esses ataques têm se tornado comuns. Depois de praticamente erradicados do mundo na década de 1950, os insetos voltaram com mais força. Não há pesticida que dê conta. Para combatê-los, cientistas apostam em outra arma: a genética.
Na edição desta semana da revista Nature Communications, um consórcio de pesquisadores de diversas instituições apresentou dois estudos contendo o primeiro sequenciamento total do DNA do percevejo, uma peste reemergente em todo o mundo e que só não existe nas regiões polares do globo. A análise detalhada do genoma do inseto, que deve ajudar a controlá-lo, revelou algumas das estratégias usadas por ele para escapar dos pesticidas. E também explicou como o minúsculo C. lectularius consegue se fartar do sangue da vítima sem que ao menos ela perceba, o que aumenta suas chances de sobrevivência.
Jeffrey A. Rosenfeld, geneticista do Museu de História Natural de Nova York, explica que o percevejo é um velho inimigo do homem e, portanto, um profundo conhecedor da biologia de seu hospedeiro. ;Uma das principais teorias afirma que eles começaram a se alimentar do homem ainda na época das cavernas, quando os humanos estavam expostos a insetos que sugavam o sangue de morcegos e de outros mamíferos desse hábitat. Quando o homem saiu da caverna, os percevejos, já adaptados a ele, o acompanharam;, diz Rosenfeld, principal autor de um dos artigos publicados na revista.
Enquanto os caçadores-coletores migravam por longas distâncias, dificultando a proliferação do percevejo, ao se fixar em pequenas cidades e vilarejos, o Homo sapiens providenciou condições ideais para as infestações. Mais tarde, as atividades comerciais contribuíram para que o inseto rodasse o planeta, tomando carona na era das grandes navegações para viajar por Europa, Ásia e Américas. Nos séculos 11 e 13, Alemanha e França, respectivamente, foram assoladas por percevejos, que também tomaram conta da Inglaterra por volta de 1500. ;Contudo, infestações eram incomuns até o século 17. A emergência de casas com aquecimento e, mais tarde, das viagens aéreas, acelerou as infestações globalmente, à medida que os percevejos podiam prosperar durante todo ano, seja habitando ambientes internos, onde tinham constante acesso a fartas refeições, seja migrando rapidamente, de forma oportuna;, conta. A festa durou até os anos 1950, quando eles foram erradicados por inseticidas.
Estratégias
O mundo cada vez mais urbanizado se esqueceu dos percevejos. Então, as pestes ressurgiram no início do século 21, mais dispostas do que nunca a sorver tantas gotas de sangue quanto encontrassem pela frente. ;Apesar de estarmos com eles há tanto tempo, compreendemos muito pouco a biologia molecular do percevejo antes, durante e depois de o inseto se alimentar do sangue humano, o que é essencial para seu ciclo de vida;, explica Rosenfeld. O geneticista conta que, já satisfeito, o percevejo encontra um refúgio na casa de seu hospedeiro para fazer a digestão, produzir excrementos e cruzar.
Para resolver esse problema, duas equipes independentes compostas por mais de 50 pesquisadores sequenciaram e compararam o genoma de diversas populações de percevejos que vivem em Nova York. ;O sequenciamento nos permitiu identificar os genes que codificam enzimas e outras proteínas usadas pelo percevejo para se tornar resistente aos pesticidas;, conta Coby Schal, professor de entomologia da Universidade Estadual da Carolina do Norte, que coliderou os esforços do mapeamento genético. Cento e oitenta e sete genes estão implicados diretamente com a resistência aos venenos.
Os cientistas descobriram que os percevejos desenvolveram diversas estratégias para combater os inseticidas, como degradar a substância química e impedir que ela penetre seu corpo. Quando, ainda assim, o veneno consegue entrar na corrente sanguínea, o inseto lança mão de outros mecanismos. Muitos exemplares analisados pelos pesquisadores desenvolveram novas formas de canais de sódio para evitar que os pesticidas ajam no sistema nervoso; outros produzem enzimas antioxidantes que limpam o sangue, eliminando os compostos prejudiciais a eles.