Há 50 mil anos, um encontro improvável aconteceu no continente europeu. Duas distintas espécies humanas se relacionaram e, desse intercurso, ficou um legado impresso no DNA das populações modernas. Do neandertal, primo do homem moderno que, por motivos desconhecidos, foi extinto, o Homo sapiens herdou características como cor da pele e do cabelo. Mas, agora, descobriu-se que as marcas são ainda mais profundas. Pela primeira vez, uma equipe de pesquisadores constatou a influência desse humano arcaico em traços biológicos como risco de depressão e funcionamento do sistema imunológico.
O resultado do estudo foi publicado na edição mais recente da revista Science e apresentado no encontro anual da Associação Americana para o Avanço da Ciência (AAAS). ;Nos últimos 10 anos, tivemos uma revolução na forma de ler o DNA de fósseis antigos, e isso tem nos revelado coisas incríveis sobre a história da evolução humana. Uma das mais surpreendentes é que o homem moderno e o neandertal se miscigenaram, e ainda hoje podemos detectar as consequências desse cruzamento no DNA de algumas pessoas;, destaca o geneticista evolutivo John Capra, principal autor do artigo.
O pesquisador da Universidade de Vanderbilt, nos Estados Unidos, conta que a instituição tem um banco de dados com registros médicos de 28 mil pessoas, cujas identidades são mantidas em sigilo. Além disso, foi feito o sequenciamento genético de cada um desses indivíduos, que cederam amostras de sangue. Ao comparar as informações com o mapeamento do DNA do neandertal, os cientistas conseguiram detectar quais são os genes que o homem moderno herdou da espécie extinta e de que forma eles afetam o funcionamento do organismo.
Segundo Corinne Simonti, também geneticista de Vanderbilt e coautora do trabalho, foram identificadas 135 mil variações (entre mutações e combinações de genes) herdadas do neandertal. ;Descobrimos que esses genes estão associados a 12 traços, alguns dos quais haviam sido sugeridos anteriormente;, diz. Um exemplo citado por Simonti é uma doença dermatológica chamada queratose actínia, que deixa a pele escamosa e com manchas vermelhas quando há exposição ao sol. ;É possível que essa característica tenha, no passado, trazido benefícios aos homens, mas ainda não conhecemos quais;, observa Simonti, lembrando que, há 5 mil séculos, o nível de radiação UVB era diferente do que incide atualmente na Terra.
Neurologia
De acordo com John Capra, no entanto, o mais surpreendente foram os legados neurológicos do neandertal. Os pesquisadores encontraram uma forte associação entre variações genéticas herdadas desses antigos humanos com a depressão. ;Não estamos dizendo que os neandertais nos deixaram deprimidos, mas alguns genes deles aumentam o risco, enquanto outras partes do DNA neandertal diminuem esse mesmo risco;, diz. Ou seja: foram herdadas tanto variações negativas quanto protetivas. Outra curiosa descoberta foi a de genes, também herdados, que têm relação com a dependência em tabaco.
Os pesquisadores também descobriram influência neandertal no metabolismo (nível de gasto calórico e aproveitamento de nutrientes), em infecções do trato respiratório, na formação de placas coronarianas, em distúrbios do trato urinário e em uma condição sanguínea chamada hipercoagulação, quando o sangue coagula mais rapidamente que o normal. Capra explica que não há, ainda, detalhamento a respeito dessas associações. ;Agora estudamos, no nível molecular, como o DNA neandertal está ligado a essas doenças que encontramos. Fazendo isso, poderemos entender melhor as bases genéticas dessas enfermidades e a evolução delas, o que nos ajudará a aprender a evitá-las;, explica.
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