Variações de temperatura e de oferta de água são exemplos do que os biólogos chamam de estresses abióticos, obstáculos externos que ameaçam o desenvolvimento das plantas e, por isso, prejudicam a produção agrícola. Para se defender desses problemas, os vegetais contam com mecanismos genéticos complexos, mas, segundo pesquisadores da Austrália, um outro fator pode ser determinante para a sobrevivência desses seres: a ;falta de memória;.
Em estudo publicado na edição de hoje da revista Science Advances, os cientistas explicam que algumas plantas, após passarem por um período estressante, ganham uma espécie de lembrança dessas condições ameaçadoras, uma espécie de cicatriz biológica. Outras, no entanto, não possuem essa característica. Terminada a fase difícil, elas voltam a ser como antes, o que parece ser vantajoso. ;Percebemos que, na maioria das vezes, as plantas não formam memória. Então, propomos um desvio em relação a trabalhos anteriores e consideramos uma nova ideia: a de que as plantas se beneficiam ao esquecer o estresse;, afirma ao Correio Peter Crisp, coautor do artigo e pesquisador da Universidade Nacional da Austrália.
Vegetais possuem diversos mecanismos de defesa, que, quando expostos a condições de estresse fora do normal, podem ser reforçados. Na falta de água, por exemplo, hormônios enviam sinais para o RNA, que, por sua vez, ativa uma proteína específica que altera a dinâmica da planta. Esta passa a ativar genes diferentes que ajudam a lidar com aquela situação. Nas espécies com memória, esses genes continuam ativos mesmo quando a situação se normaliza, como se ficassem de prontidão. Nas desmemoriadas, tudo volta a ficar como antes; acontece um reset, segundo os pesquisadores.
Após analisarem diversos estudos sobre o tema, a equipe concluiu que a segunda estratégia é a mais eficiente, já que, ao apagar essas lembranças, os vegetais se tornam mais leves. ;As plantas precisam se redefinir e tirar partido das boas condições quando elas retornam. Propomos que as plantas melhores em redefinir ou ;esquecer; possuem uma vantagem sobre as outras (que guardam as memórias), que se tornam mais lentas ao reiniciar;, explica Crisp.
Para o biotecnologista Marcos Fernando Basso, colaborador da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), os mecanismos de esquecimento das plantas estudado pelos cientistas australianos podem mostrar vantagens apenas em casos em que o estresse é curto. ;Quando a planta se recupera do estresse e mantém ativos seus mecanismos de memória, ao ser exposta novamente ela pode se defender de forma mais rápida. Mas isso também tem um custo: ela gasta mais energia. ;Esquecer;, portanto, seria uma boa estratégia em períodos curtos de estresse, porque a planta não se manteria alerta e gastando energia. Ela se manteria no nível basal, de baixa energia, e teria mais produtividade;, analisa o especialista, que não participou do estudo.
Variabilidade
O grupo australiano acredita que essa capacidade de recomeçar do zero é importante, principalmente pelas mudanças climáticas atuais. ;O fato de ser capaz de repor seu sistema rapidamente é uma grande vantagem quando se vive em ambientes que tenham tempo variável. Dado que a mudança climática aumentará a variabilidade no clima, esse sistema pode se tornar cada vez mais importante;, acredita Crisp.
Basso explica que muitos estudos têm buscado desvendar como o comportamento das plantas pode ser otimizado, já que essas informações seriam úteis para manipulações genéticas que tentam melhorar a produtividade de plantações como as de cana-de-açúcar e tomate. ;Fatores como a falta de água, a temperatura elevada ou o frio têm provocado problemas em produções nos últimos anos. Esses mecanismos que focam em mudanças rápidas e de adaptação das plantas podem ser muito úteis;, avalia. ;Ao melhorar geneticamente, conseguimos expandir a produção, como no caso da cana, que estudamos e tentamos modificar aqui na Embrapa. O objetivo é conseguir que ela seja produzida em solos mais secos e, dessa forma, aumentar o número de regiões em que ela pode ser plantada;, completa.
A matéria completa está disponível aqui, para assinantes. Para assinar, clique