Ciência e Saúde

Pela primeira vez, cientistas acompanham processo de formação de neurônios

O estudo, feito em ratos, deve ajudar futuramente na compreensão e no tratamento de males como esquizofrenia, Parkinson e Alzheimer

postado em 26/03/2016 08:05

Há milênios, cientistas e filósofos voltaram os olhos para o céu por acreditarem que, ao estudarem o Universo poderiam responder dúvidas existenciais, como o início da vida. Com uma motivação de natureza semelhante, cientistas da Faculdade de Medicina da Universidade de Genebra, na Suíça, se debruçaram sobre o cérebro para entender a origem da mente. O resultado do estudo, publicado este mês na revista Science, foi a visualização, pela primeira vez, do nascimento dos neurônios, ou, como apelidaram os pesquisadores, do ;big bang neuronal;, um feito que deve ajudar a entender a origem de quadros como esquizofrenia, autismo e síndrome de Tourette e a pensar tratamentos para males como os de Parkinson e Alzheimer.

Para chegar a essa observação, a equipe levou aproximadamente três anos analisando a formação do córtex de ratos na fase fetal. Nessa região, há células progenitoras neurais, especializadas na criação dos diferentes tipos de neurônios. Os cientistas elaboraram uma técnica, à qual deram o nome de FlashTag, que marca essas células no momento em que estão se dividindo para gerar um neurônio. O método permitiu ao grupo isolar e observar o processo, acompanhando as principais dinâmicas para a formação de um cérebro saudável, desde os genes que são expressos nas primeiras horas até os locais onde as células se alojam para gerar o córtex.

;Antes, nós tínhamos apenas algumas fotos para reconstruir a história dos neurônios, o que deixava bastante espaço para especulações. Graças à técnica FlashTag, agora existe um filme genético completo diante de nossos olhos. Cada instante se torna visível, desde realmente o começo, o que nos leva a compreender o cenário em ação, identificando as principais características, as interações e os estímulos;, afirma, em comunicado, Denis Jabaudon, especialista em neurodesenvolvimento e diretor da pesquisa.

Aplicações
Além da revelação do momento em que nasce um neurônio, o estudo oferece um avanço na compreensão de como os neurônios vão se comportar na fase adulta, o que deve ajudar a predizer problemas como esquizofrenia e autismo. Essa compreensão é importante porque, de acordo com Daniel Martins-de-Souza, bioquímico da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) que há alguns anos estuda a origem de doenças psiquiátricas, existem diversos distúrbios que parecem ligados à fase de formação do cérebro, o neurodesenvolvimento.

;A esquizofrenia é uma doença que tem sua gênese no neurodesenvolvimento. Sabe-se que existe uma desordem nessa fase que vai levar à esquizofrenia no futuro, na adolescência geralmente. Ainda não se sabe quando exatamente acontece essa desordem, por isso (o resultado dessa pesquisa) pode ser uma ferramenta fantástica;, avalia. ;Com ela, pode ser criado um monitoramento em famílias que possuem quadros de doenças psiquiátricas, fazendo um exame pré-clínico na criança e buscando formas de evitar a progressão da doença.;

Quanto ao autismo, Alysson Muotri, neurobiólogo da Universidade da Califórnia em San Diego, reserva receios sobre a promessa de que, com a técnica dos cientistas de Genebra, será possível detectar a origem do problema. ;Ainda não sabemos se essa pesquisa terá qualquer valia para o autismo. Tudo foi feito usando modelos de camundongos e não existem camundongos autistas. Caso algumas das vias que foram descobertas no trabalho sejam conservadas evolutivamente em humanos, poderíamos então explorá-las no contexto de autismo.;

Outra possibilidade de aplicação da técnica, de acordo com Denis Jabaudon, é a regeneração de neurônios danificados por doenças como esclerose e Parkinson. ;Agora somos capazes de ler essa ;receita; para entender o que é expresso, quando e em qual nível. O desafio é identificar quais são os ingredientes essenciais dessa receita. O objetivo a longo prazo é ser capaz de gerar e reparar neurônios, além de reconstruir circuitos em distúrbios neurodegenerativos;, diz o autor da pesquisa em entrevista ao Correio.

O bioquímico Martins-de-Souza, por outro lado, pondera que é preciso ter cautela, uma vez que ainda são necessários, entre outros avanços, estudos de aplicação da FlashTag em células humanas. ;Não é do dia para a noite. A técnica precisa ser aperfeiçoada, talvez leve uma década para chegar a esses resultados. Mas é um achado com potencial de se tornar um divisor de águas.;

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