A maior viagem planejada pelo homem será feita pelas menores naves espaciais já concebidas. Isso se o ambicioso projeto anunciado ontem pelo físico inglês Stephen Hawking e o investidor da internet russo Yuri Milner der certo ; e o sucesso da empreitada não pode ser garantido nem mesmo pelo luxuoso time de especialistas chamados para trabalhar na iniciativa. Basta resumir o objetivo da empreitada para deixar claro que não se trata de algo banal: fazer com que milhares de sondas espaciais com apenas alguns gramas de peso partam rumo à constelação de Alfa Centauro a um quinto velocidade da luz, percorrendo o caminho de 4,37 anos-luz (ou 40 trilhões de quilômetros) em apenas 20 anos.
Batizado de Breakthrough Starshot, o projeto tenta ser o primeiro a enviar máquinas construídas pelo homem para uma viagem interestelar, inaugurando uma nova fase da exploração espacial. Uma vez no sistema composto de três estrelas, as mais próximas do Sol (leia Para saber mais), os equipamentos deverão colher dados e imagens e enviá-los de volta para a Terra. Alcançado o objetivo, um gigantesco avanço científico terá sido realizado. Para se ter uma ideia, até hoje, a nave que foi mais longe ; a sonda Voyager 1, lançada em 1977 ; precisou de quase 40 anos apenas para deixar o Sistema Solar. Se estivesse indo em direção a Afa Centauro, precisaria de 70 mil anos para terminar a jornada.
A data do anúncio foi escolhida por marcar os 55 anos da viagem de Yuri Gagarin (Milner foi batizado em homenagem ao cosmonauta soviético). ;A história humana é feita de grandes saltos;, disse o empreendedor russo, fundador da Breakthrough Initiatives, em coletiva de imprensa realizada no Observatório One World, em Nova York. ;Há 55 anos, Gagarin se tornou o primeiro homem no espaço. Hoje, estamos preparando o grande próximo salto: para as estrelas;, completou.
União
Como Milner pretende dar esse salto? O time de especialistas que ele recrutou ; que, além de Hawking, tem o fundador do Facebook, Mark Zuckerberg, como conselheiro; e Pete Worden, ex-diretor do Centro de Pesquisa Ames, da Nasa, como diretor-executivo ; tentará reunir três recentes avanços tecnológicos: o raio laser, a nanotecnologia e a miniaturização de componentes eletrônicos.
Começando pelo último, a equipe trabalha com a possibilidade de fazer com que sensores e câmeras se tornem ainda mais compactos do que hoje para que uma sonda espacial inteira tenha o tamanho de um chip ; já há um protótipo, batizado de Star Chip. Assim, milhares dessas mininaves, que não serão maiores que um smartphone, poderão ser construídas e enviadas ao mesmo tempo para o espaço. Se várias delas se perderem ou forem destruídas ao se chocar com algum objeto no caminho, outras chegarão ao destino programado.
Para que elas viagem a uma grande velocidade, fazendo a inédita viagem interestelar em cerca de duas décadas, serão impulsionadas por um potente feixe de laser. O plano dos cientistas é colocar as naves em órbita próxima da Terra com a ajuda de um foguete e depois energizá-las com a luz. Carregadas com a força do laser, dispararão rumo a Alfa Centauro. No entanto, para isso, outras duas inovações serão necessárias.
A primeira será construir um projetor de laser que forneça 100 gigawatts de energia por dois minutos, tempo estimado como o necessário para acelerar as sondas. Hoje, o equipamento do tipo mais potente fica na Universidade de Osaka, no Japão, e só consegue gerar essa quantidade de energia por algumas frações de segundo. A outra inovação serão as velas (espécies de painéis) que comporão as sondas, que precisarão absorver a energia do laser e, ao mesmo tempo, refletir completamente sua luz, para não acabarem destruídos. Essa última tecnologia deverá ser alcançada com a nanotecnologia, área que manipula elementos químicos em nível molecular para confeccionar novos materiais.
Em entrevista ao jornal The New York Times, Pete Worden reconheceu que muitos pontos cruciais necessários para alcançar o objetivo terão de ser inventados. ;Estamos pedindo que os maiores especialistas do mundo nos ajudem, e estamos dispostos a apoiar economicamente o trabalho dele;, disse o diretor executivo do projeto à publicação americana.
Financiamento
A declaração de Worden deixa claro que, além de inteligência, o Breakthrough Starshot demanda tempo e dinheiro. Para iniciar o projeto, Yuri Milner investiu US$ 100 milhões, que serão usados em pesquisa e desenvolvimento. Contudo, o custo total da iniciativa é estimado entre US$ 5 bilhões e US$ 10 bilhões, o que deve exigir a entrada de mais parceiros e financiadores.
O tempo necessário para que tudo vire realidade, por sua vez, é calculado pelos envolvidos em 20 anos. Isso significa que apenas por volta de 2036 as pequenas naves sejam colocadas em órbita e, dali, partam para a viagem, que levará mais duas décadas. E as que chegarem funcionando a Alfa Centauro enviarão dados que precisarão de outros quatro anos para chegar à Terra.
Trata-se de uma empreitada de cinco décadas aproximadamente, o que significa que boa parte dos envolvidos hoje pode não estar viva para ver os resultados. Nada que os deixe desanimados, pois eles sabem que o objetivo final é beneficiar as futuras gerações, como frisou Stephen Hawking na coletiva de ontem: ;A Terra é um lugar maravilhoso, mas não deve durar para sempre. Mais cedo ou mais tarde, nós teremos de olhar para as estrelas. O Breakthrough Starshot é um primeiro passo muito estimulante dessa jornada;.
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