Ciência e Saúde

Tetraplégico volta a mover mão e dedos nos Estados Unidos

Jovem totalmente paralisado recobrou gestos graças a um sistema que interpreta atividade mental e envia comandos por fios ligados ao corpo. A tecnologia traz esperanças de, no futuro, ajudar pacientes com lesão espinhal ou que sofreram AVC

Paloma Oliveto
postado em 14/04/2016 06:00

Ian teve chip implantado no cérebro há dois anos:

Ian Bukhart estava com 19 anos, adorava esportes e tinha acabado de começar a estudar publicidade na Universidade de Ohio. Nas férias de verão de 2010, durante um mergulho no litoral da Carolina do Norte, uma onda o atingiu em cheio. A força da água o despejou sobre um banco de areia. ;Instantaneamente, bati minha cabeça e sabia que tinha quebrado o pescoço e estava paralisado. Você está dentro do mar, tentando se levantar e, de repente, percebe que não consegue se mover;, relata.

Bukhart passou cinco semanas na UTI de um hospital da Virgínia e outros 100 dias de internação na volta para casa, em Columbia. O ex-jogador de lacrosse, modalidade popular nos Estados Unidos, estava paralisado do pescoço para baixo e já não respirava por conta própria. Foi assim durante quatro anos. Até que a ciência devolveu ao jovem os movimentos dos dedos, do pulso e da mão. Em um experimento inédito com humanos, pesquisadores da Universidade Estadual de Ohio, do Instituto Memorial Battelle e do Instituto de Pesquisa Médica Feinstein conseguiram restaurar a comunicação entre o cérebro e os músculos do jovem, usando um marcapasso neural.

;Essa é a primeira vez que uma pessoa completamente paralisada recobra os movimentos usando apenas seus pensamentos;, explicou, em uma coletiva de imprensa, Chad Bouton, pesquisador do Instituto Feinstein, em Manhasset, Nova York, e um dos autores de um artigo que descreve o feito, publicado na revista Nature. De acordo com Bouton, o acidente não danificou o córtex motor, área do cérebro responsável pelo movimento. Contudo, a lesão na espinha dorsal interrompeu os sinais mandados por essa região até os músculos. Dessa forma, os esforços dos cientistas concentraram-se em descobrir uma forma de fazer a ordem do cérebro chegar até os membros executores da movimentação.

A primeira etapa do estudo consistiu em decifrar os sinais cerebrais associados especificamente com o movimento da mão. ;Nós colocamos um pequeno implante na área do córtex motor do cérebro e um conector no crânio, que lia a atividade cerebral do Ian e a enviava a um computador;, contou Bouton. Uma vez que o sistema estava todo conectado, os cientistas mostravam imagens de diferentes tipos de movimento da mão e pediam para o jovem reproduzi-los mentalmente. ;Nós gravávamos os sinais gerados pelo cérebro, específicos para esses movimentos, e, assim, aprendemos como decifrá-los;, disse.

O computador, por sua vez, fica conectado a uma série de sensores, instalados em uma faixa presa ao pulso do jovem, chamada de luva de estimulação. Quando Ian quer pegar um objeto, instantaneamente os sinais são enviados pelo marcapasso para o software, que repassa a informação aos sensores. Dessa forma, a conexão entre o córtex motor e os músculos é restabelecida. ;O Ian pode segurar uma garrafa, jogar o conteúdo da garrafa em um pote e colocar a garrafa de volta à mesa. Ele controla cada passo; isso é simplesmente incrível;, disse Nick Annetta, engenheiro eletricista que ajudou a desenvolver o sistema pelo Instituto Memorial Battelle.

Estimulação


Segundo Annetta, a equipe do Battelle trabalha nesse projeto há mais de 10 anos. Foi lá que os cientistas idealizaram o marcapasso, os sensores, o algoritmo, o software e a luva. Há quatro anos, Chad Bouton convidou Annetta para participar de um projeto mais ousado. Com a colaboração do Instituto Neurológico de Ohio, ele pretendia começar um estudo clínico ; com pacientes humanos ; para testar a tecnologia do marcapasso neural. Esse método já foi usado em pesquisas anteriores, inclusive lideradas pelo brasileiro Miguel Nicolelis, da Universidade de Duke. Contudo, até hoje, apenas primatas não humanos participaram.

;Trabalho há três décadas nesse campo, e essa é a primeira vez que conseguimos oferecer esperança realista para pessoas que têm vidas muito desafiadoras;, disse Jerry Mysiw, chefe do Departamento de Medicina Física e Reabilitação da Universidade Estadual de Ohio. Ele foi responsável pelo desenho do ensaio clínico. ;O que estamos tentando fazer é ajudar essas pessoas a recobrarem mais controle sobre seus corpos.;

Em abril de 2014, Ian Bukhart tornou-se o primeiro paciente a testar o sistema. Ali Rezai, neurocirurgião da universidade, realizou uma cirurgia de três horas, na qual implantou um chip menor que uma ervilha no córtex motor do jovem. O ex-atleta também precisou passar por um trabalho de estimulação elétrica nas mãos, que estavam atrofiadas após tantos anos sem se movimentar.

;Eu já havia me acostumado com a ideia de que nunca mais conseguiria mover nada abaixo do pescoço;, conta. Mas, quando foi convidado a participar do experimento, Bukhart, que havia retornado à universidade para estudar negócios, vislumbrou a chance de voltar a mexer as mãos. ;Pensei seriamente nos riscos e nos benefícios ainda limitados e decidir fazer isso. Eu realmente não poderia deixar passar a oportunidade de ser parte de algo que pode ajudar outras pessoas no futuro;, diz.

Experimental

Rezai esclarece que a técnica ainda é experimental e que esses são os primeiros passos do estudo. Contudo, está muito animado com o potencial do sistema. ;Os resultados que tivemos no último ano foram extraordinários e oferecem esperança, à medida que a tecnologia se desenvolve e amadurece, de, no futuro, ajudar pessoas que têm limitações devido a problemas como lesão espinhal, lesão cerebral ou mesmo AVC, de serem mais funcionais e independentes;, diz.

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