Durante mais de dois anos, o ebola dizimou famílias na África Ocidental, fazendo com que adultos e crianças perdessem a vida pelas complicações de uma infecção que leva à hemorragia e à perda da consciência. A epidemia nunca antes registrada no planeta matou 11.323 pessoas, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). E também, pela primeira vez, deixou um grupo considerável de sobreviventes: mais de 10 mil pessoas que continuam a desafiar médicos e cientistas devido aos persistentes estragos causados pelo vírus.
;O ebola causa problemas que duram muito mais tempo do que a própria infecção viral. E não é o unico caso. Vocês no Brasil estão, infelizmente, descobrindo isso com o zika;, diz ao Correio Janet Scott, pesquisador da Universidade de Liverpool, no Reino Unido. Scott divulgou, nesta semana, no 26; Congresso Europeu de Microbiologia Clínica e Doenças Infecciosas, em Amsterdã, resultados de um estudo liderado por ele que detalha as sequelas da chamada síndrome pós-ebola. Com o apoio de estudiosos do King;s Sierra Leone Partnership, em Serra Leoa, foram avaliados 354 sobreviventes ; 38 participaram de todas as fases ; e detectada principalmente a recorrência de dores de cabeça (74%) e de dificuldades para dormir (55%), além da depressão (32%).
Os voluntários tinham recebido alta há pelo menos um ano. Eram adultos, a maioria mulheres, com, em média, 34 anos, mas, segundo Scott, não há evidências de que há um grupo mais suscetível à síndrome. ;Nós percebemos que os pacientes que chegaram com mais carga viral ao hospital foram os que mais se queixaram de dores de cabeça depois de curados;, conta o pesquisador. Em um estudo divulgado em abril, também com sobreviventes em Serra Leoa, Scott e equipe detectaram a cefaleia intermitente, mas a prevalência de queixas de dores musculoesqueléticas. ;Nós focamos no estudo da neurologia e dos olhos porque temos experiência nessa área e a possibilidade de escanear os participantes;, justifica.
Dos participantes que se queixaram da dor de cabeça no estudo mais recente, 50% relataram sentir o mesmo desconforto nos olhos; 25% reclamaram de fotofobia; 21%, de febres intermitentes; 18%, de tontura ou vertigem; e 7%, de zumbido. Tomografias feitas nos voluntários revelaram danos no cérebro e nos olhos causados pelo vírus. A hipótese é de que a encefalite (inflamação cerebral) provocada pelo ebola acabe comprometendo o funcionamento de nervos na região. ;Na Libéria, ouvíamos muitas queixas oftalmológicas, visuais e auditivas dos sobreviventes;, conta Jessé Reis, membro da Sociedade Brasileira de Infectologia e médico do Instituto de Infectologia Emílio Ribas.
O especialista brasileiro esteve no país africano entre outubro e novembro de 2014, durante a epidemia do ebola, e conta que, na época, as sequelas do vírus já eram uma preocupação. ;Trata-se de uma questão muito complexa. Nunca havia se visto tantos infectados e tantos sobreviventes. Não sabemos, por exemplo, quanto tempo o vírus fica no corpo. Se uma mãe curada tem que ter um parto diferenciado para não passar algo para o filho;, ilustra o infectologista.
Estresse pós-traumático
Jessé Reis levanta dúvidas sobre a origem dos sintomas depressivos em sobreviventes. ;Podem estar relacionados ao estresse pós-traumático que surge nessas pessoas que quase morreram e viram familiares e conhecidos morrendo em casa e nos hospitais ou podem ser efeito do vírus que permanece mais tempo no corpo;, explica. Um estudo divulgado em outubro passado no New England Journal of Medicine detectou a presença do micro-organismo no sêmen de homens depois de nove meses. A OMS recomenda sexo com proteção por até um ano.
Scott também cogita a possibilidade de a depressão ser consequências dos traumas do ebola. Ele conta que, em Serra Leoa, não são raros os sobreviventes que questionam a razão de terem resistido à doença. ;Um homem me disse: ;Antes, eu era pobre, mas era saudável, tinha o meu povo. Agora, estou cansado, doente e todo o meu povo se foi;;, lembra o cientista. A 61% dos voluntários do estudo foi oferecido encaminhamento a uma clínica especializada. ;Características psiquiátricas de insônia, depressão e ansiedade são comuns e os nossos resultados sugerem que há uma necessidade de encaminhamento psiquiátrico;, destacou, em comunicado, Stephen Sevalie, do Hospital Militar 34th Regiment, em Serra Leoa, e participante da pesquisa.
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