Ciência e Saúde

Processo de envelhecimento é acelerado pelo vírus da Aids, diz estudo

O HIV provoca alterações no DNA que aumentam as chances de os pacientes apresentarem mais cedo problemas como doenças cardíacas e diabetes, aponta estudo. A descoberta reforça a necessidade de pessoas soropositivas adotarem hábitos saudáveis

Vilhena Soares
postado em 22/04/2016 06:00

A evolução dos medicamentos antirretrovirais garantiu nos últimos anos não só um aumento na expectativa de vida, mas também uma melhora muito significativa na qualidade de vida das pessoas com o vírus HIV. No entanto, apesar dos ganhos proporcionados pelos coquetéis anti-Aids, o vírus continua muito agressivo ao organismo humano, provocando alterações no DNA que aceleram o envelhecimento celular, mostra um novo estudo.

Como consequência desse processo, os pacientes passam a apresentar riscos aumentados de, ainda novos, sofrerem com doenças que só costumam surgir na velhice, como os problemas cardíacos e o diabetes. Publicada na edição mais recente da revista Molecular Cell, a pesquisa serve de alerta para a necessidade de pessoas soropositivas terem especial cuidado com o estilo de vida, mantendo hábitos saudáveis que fortaleçam o corpo.

Para chegar a essas conclusões, os cientistas partiram de estudos anteriores realizados por um laboratório especializado em biomarcadores (sinais do organismo que ajudam a fazer um diagnóstico) do HIV. ;Usamos um relógio molecular do envelhecimento, ferramenta fornecida por um laboratório parceiro, e unimos com nossa tecnologia para investigar pacientes infectados pelo vírus;, conta ao Correio Howard Fox, coautor do trabalho e professor do Departamento de Farmacologia e Neurociência Experimental da Universidade de Nebraska, nos Estados Unidos. ;Nosso objetivo era abordar as complicações que surgem na imunodeficiência, já que pessoas em tratamento contra a Aids parecem sofrer mais com distúrbios relacionados ao envelhecimento;, explica o cientista.

Com as técnicas, os cientistas observaram a metilação do DNA, mudanças epigenéticas que influenciam a forma como os genes são expressos e ajudam a medir o nível de envelhecimento celular. ;O que temos visto em estudos anteriores é que, à medida que envelhecemos, a metilação provoca alterações no genoma, chamadas de entropia ou deriva genética. Embora não tenhamos certeza do exato mecanismo pelo qual essas mudanças levam a sintomas de envelhecimento, é uma tendência que podemos medir no interior das células;, detalha em um comunicado à imprensa Trey Ideker, professor de genética do Departamento de Medicina da Universidade da Califórnia e também autor do estudo.

Análises
Foi analisado um grupo de 137 pacientes com HIV submetidos a terapia antirretroviral, 44 indivíduos sem a infecção e, posteriormente, 48 indivíduos tanto HIV positivo quanto negativo, que serviram para confirmar as descobertas. Os cientistas observaram que o vírus provocou um avanço médio de envelhecimento biológico de 4,9 anos, representando um risco 19% maior de mortalidade. Outra constatação foi a de que não houve diferença entre os padrões de metilação nas pessoas que estavam infectadas havia menos de cinco anos e as que já viviam com o HIV por 12 anos.

Os autores do estudo, no entanto, ainda não sabem por que há envelhecimento mais rápido do DNA nos pacientes, mas estão seguros de que ele representa um risco. ;A metilação acompanha muito bem a idade biológica; isso já foi demonstrado em muitos estudos. Há uma correlação entre ela e o risco aumentado de doenças. Embora ainda não sejam conhecidos os mecanismos pelos quais essa ;aceleração; ocorre ; seja devido ao HIV, seja por outros fatores ;, sabemos que ela serve como marcador de risco para enfermidades que podem surgir por causa desse envelhecimento, e não pela idade real;, detalha Fox.

Para Werciley Júnior, coordenador de Infectologia do Hospital Prontonorte em Brasília, os achados reforçam informações conhecidas na área. ;A doença age como uma inflamação no corpo, o que seria a causa desse envelhecimento precoce. Atualmente, temos muitos pacientes com HIV apresentando problemas como, por exemplo, diabetes e acidente vascular cerebral (AVC), enfermidades que ocorrem com a chegada da idade. Esses dados só corroboram o que temos visto nos consultórios;, afirma o médico, que não participou do estudo. ;Infelizmente, essa análise (da metilação do DNA) é um recurso caro, que não pode ser feito como um exame de rotina, o que seria uma técnica interessante de ser adotada;, completa.

Alerta
De acordo com os pesquisadores, os achados podem, futuramente, ajudar no desenvolvimento de drogas que retardem as mudanças epigenéticas e reduzir as chances de soropositivos sofrerem com males como diabetes, doenças cardiovasculares e problemas no fígado. Para os autores, contudo, o principal papel do estudo é alertar para a necessidade de cuidados dos pacientes que sofrem com HIV quanto ao estilo de vida que seguem. ;Isso pode servir como um incentivo para que sejam adotadas formas de manter a saúde, já que ainda não existem tratamentos possíveis;, ressalta Howard Fox.

Werciley Júnior diz que essa preocupação vai ao encontro da forma como a Aids passou a ser tratada nos últimos anos. A infecção não é mais algo que mata rapidamente, por isso, a maior preocupação é garantir qualidade de vida aos pacientes. ;É importante frisarmos que a preocupação com a sobrevivência de pessoas com HIV diminuiu. Antigamente, não se sabia se elas viveriam, mas hoje isso mudou. Alteramos o foco. Agora, temos de lidar com questões como esse envelhecimento e a necessidade de mais cuidados com a saúde;, analisa.

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