Ciência e Saúde

Local da tragédia nuclear de Chernobyl se tornou um laboratório natural

O acidente completa 30 anos, com a volta de animais selvagens à zona de exclusão. Local se transformou em ambiente de estudos sobre os efeitos da radiação ionizante em organismos vivos

postado em 26/04/2016 06:00

Cavalos silvestres passeiam livremente, uma cena impossível de se imaginar quando a região era habitada: para pesquisadores, impacto radioativo é menor que a pressão humana


Há três décadas, o derretimento do quarto reator da Usina Nuclear de Chernobyl criou uma zona morta em uma região de 30km na fronteira entre Ucrânia, Bielorússia e Rússia. O acidente lançou no ar partículas contaminantes radioativas desastrosas para a vida e o meio ambiente. Contudo, também criou um laboratório natural de estudos radioecológicos. Lá, na zona de exclusão, cientistas têm estudado os efeitos da radiação ionizante sobre os animais selvagens.

Desde que a bomba atômica foi desenvolvida, durante a Segunda Guerra Mundial, são realizados testes em laboratórios para verificar a influência da radiação em organismos vivos. Contudo, Anders Moller, do Centro Nacional de Pesquisa Científica (CNRS, sigla em francês), e Tim Mousseau, da Universidade da Carolina do Sul, queriam investigar esse efeito em animais diretamente no hábitat natural.

[SAIBAMAIS]Diferentemente do ambiente controlado, na vida selvagem as espécies precisam buscar seus alimentos e se proteger de predadores, o que os deixa mais vulneráveis a novos fatores estressantes. Com isso em mente, Mosseau e Moller começaram a estudar os habitantes da zona de exclusão em 2000. O escopo expandiu depois do desastre na planta nuclear de Fukushima, no Japão, há cinco anos, quando os cientistas lançaram a Inciativa Chernobyl %2b Fukushima USC, coordenada pela Universidade da Carolina do Sul. Por meio dessa plataforma, pesquisadores do mundo todo publicaram mais de 90 artigos. Os trabalhos mostraram uma variedade de efeitos danosos à vida selvagem, resultantes da exposição crônica à radiação, mesmo quando em níveis baixos.

;Como um ponto de início para nossos estudos nas populações animais, pegamos deixas na literatura médica ; um dos primeiros efeitos da radiação observados em seres humanos foi a presença de catarata nos olhos de pessoas expostas à energia das bombas atômicas;, explica Mousseau. De acordo com ele, tripulações de voos exibem taxas altas desse problema, pois passam muito tempo expostas a radiação extra, dentro dos aviões. O mesmo acontece com trabalhadores da área de radiologia. Na vida selvagem, não foi diferente. ;Descobrimos que tanto pássaros quanto roedores têm frequência elevada de cataratas nas áreas mais radioativas;, observa.

A equipe de cientistas também mostrou que a radiação em Chernobyl diminuiu o tamanho do cérebro, aumentou a incidência da formação de tumores, afetou a fertilidade e aumentou a prevalência de anomalias do desenvolvimento em pássaros. Os efeitos em indivíduos propagaram-se entre grupos. Populações de andorinhas, por exemplo, que foram particularmente afetadas em Chernobyl, sofreram decréscimo nas áreas de alta contaminação. Mosseau acredita que elas teriam sido extintas, não fosse a migração de novos indivíduos, provenientes de regiões não afetadas.

;Foi algo que testamos. Usando um método isotópico que mostra a origem geográfica, nós comparamos penas de andorinhas nas áreas contaminadas às de espécimes de museus de antes do acidente. Encontramos muito mais heterogeneidade depois do desastre;, diz Mosseau. ;A maior parte das populações está em um certo equilíbrio, mantendo o balanço entre os efeitos de nascimento e morte. Se o ambiente muda para pior, isso puxa as espécies para o cenário de extinção, e com todas as consequências negativas à saúde dos animais, é o que vemos: populações reduzidas porque as mortes superam os nascimentos. Mas, de forma secundária, em muitas dessas populações, o que nós provavelmente estamos vendo é, na verdade, um reflexo de nascimentos, mortes e migração. Elas teriam sido localmente extintas caso não houvesse migrações constantes;, explica o cientista.

Renascimento
Contudo, apesar dos graves danos verificados na zona de exclusão de Chernobyl, a vida refloresceu no local. Com o abandono das pessoas que moravam na região, a pressão humana foi um fator estressante a menos para populações selvagens. ;As pessoas se foram, e a natureza voltou;, resume Denis Vishnevski, engenheiro responsável pelo corredor de 30km ao redor local do acidente. Ao seu lado, alguns cavalos silvestres buscam comida sob uma espessa camada de neve intocada. Uma imagem que poderia parecer surreal para aqueles que guardam a recordação do drama de Chernobyl e de suas fatídicas consequências.

Segundo Vishnevski, que também é zoólogo, a presença humana é muito mais nociva para os animais que as radiações. A fauna da zona tem uma expectativa de vida menor e uma taxa de reprodução inferior devido aos efeitos da radiação. Contudo, seu número e variedade aumentaram a um ritmo inédito após a queda da União Soviética, em 1991. ;Aqui a radiação está por toda parte, e isso tem efeitos negativos;, declara. ;Mas é menos significativo que a ausência de intervenção humana;, garante. Nos dias seguintes à explosão, mais de 130 mil pessoas foram evacuadas da região, abandonando instalações que ficaram como congeladas no tempo.

Pouco depois do desastre, cerca de 10km; de pinhais que rodeavam a central foram destruídos pela absorção de um nível alto de radiação, e os pássaros, roedores e insetos que viviam ali também desapareceram. O local do Bosque Vermelho, chamado assim pela cor das árvores danificadas, foi arrasado com escavadeiras e os pinheiros mortos enterrados como dejetos nucleares. Contudo, desde então, surgiu no mesmo lugar um novo bosque de pinheiros e videiras, mais resistentes à radiação. E a natureza experimentou transformações bastante curiosas.

Ameaças
Por uma lado, desapareceram as espécies dependentes dos dejetos produzidos por humanos, como as cegonhas, os pardais e os pombos. Ao mesmo tempo, ressurgiram espécies nativas que haviam prosperado muito antes da catástrofe, como lobos, ursos, linces e águias. Em 1990, alguns cavalos de Przewalski, em vias de extinção, foram levados ao local para ver testar se poderiam se reproduzir. O experimento foi tão bem que, hoje em dia, mais de 100 exemplares pastam tranquilamente nos campos vazios. ;É o que chamamos de renascimento ambiental;, comenta Vishnevski.

Marina Shkvyria, pesquisadora do Instituto de Zoologia Shmalhausen, que vigia a região de Chernobyl, adverte, contudo, que a grande quantidade de turistas que visitam a zona e os funcionários de manutenção da central estão deteriorando a natureza. ;Não podemos dizer que seja um paraíso para os animais;, destaca. ;Muita gente trabalha na central. E há turistas e caçadores ilegais;, lamenta. ;O foco, agora, está em aprender a usar esta biosfera emergente sem causar danos, declara o engenheiro Vishnevski. ;O contraste entre a Chernobyl de antes da catástrofe e o que vemos 30 anos depois é surpreendente. Esses animais são, talvez, a única consequência positiva da terrível catástrofe.;

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