Jornal Correio Braziliense

Ciência e Saúde

Antropóloga fala sobre a realidade de mulheres vítimas da zika no nordeste

As histórias dessas mulheres foram documentadas por Debora Diniz e transformaram-se em Zika, um filme de 30 minutos que será apresentado pela antropóloga no próximo dia 18 em Copenhague, na Dinamarca



Desigualdade social
O zika nos atemoriza porque põe em evidência a fragilização das mulheres e das meninas da região. Quando falamos que 72%, segundo o último boletim epidemiológico, das crianças nascidas com a síndrome neurológica estão em quatro estados, que são Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco e Alagoas, falamos de como a desigualdade social afeta diferentemente os grupos de mulheres. É só no sentido confortante da epidemiologia que nós vamos dizer que todas as mulheres estão em risco para a epidemia. Não é verdade. Quando o filme mostra quem são elas ; o rosto, a cor, a região, a classe social ; a gente diz que a epidemia tem cor, região, classe... O primeiro desafio que o filme traz é mostrar o seguinte: a epidemia exige que nós coloquemos as mulheres no centro das políticas de saúde. A gente fica falando do mosquito, mas essa é só uma parte.



[SAIBAMAIS]Planejamento familiar
A gente tem de falar agora de planejamento familiar e aborto. O que está por trás do filme é isso. O aborto está ali, sem ser gritado. Por que ele não está no filme? Porque ali era a primeira geração de mulheres, que descobriram com a ciência que o zika causa a síndrome neurológica. É importantíssimo falar que não é microcefalia, é síndrome neurológica associada ao zika. A microcefalia é só um dos sinais. O corte que está sendo estudado em Pernambuco mostra que essas crianças com 6 meses não se alimentam, precisam de sonda, têm convulsão... O que você vê agora, nas estimulações de bebês de 6 meses, são as mães chegando e dizendo: ;Olha como ele está bem!”. E a fisioterapeuta dizendo: ;Não, mãe, com essa idade, ele já tinha que olhar, querer pegar, e ele não está fazendo isso;.

Agenda
O zika sai de pauta em fevereiro. A crise política entra, e nós não falamos mais de zika. Nos meses anteriores, o que falávamos era sobre eliminar o mosquito, e não é assim que a saúde pública se move. Nós nunca falamos seriamente das mulheres. Por que o Brasil está enfrentando errado? Porque não colocou no topo da agenda. Nós nunca tivemos na história da medicina uma epidemia com essa potencialidade de transmissão Primeiro, é um vetor que voa. E pense na epidemia de HIV/Aids: era sexual. O zika também. Transfusão de sangue: o zika também. Amamentação: também. Sangue e urina? Sim. O que nós sabemos, fora o mosquito, sobre risco de transmissão vertical? Nada. O CDC (Center of Diseases Control) americano sugere seis meses de relação sexual protegida para o homem que deseja ter filhos após a infecção. Para a mulher, 10 semanas. É uma magnitude de prevenção gigantesca. E, no Brasil, nada. O protocolo de enfrentamento para microcefalia brasileiro, que sequer foi atualizado para síndrome neurológica, ignora que se converse sobre saúde reprodutiva como prevenção.

Importância da prevenção
Como seria a política de prevenção? A inclusão do repelente, que custa em torno de R$ 100 para as mulheres, porque as grávidas não podem usar qualquer repelente. O único método de prevenção para a mulher que queira engravidar agora é o repelente. Porque não podemos conversar de não engravidar como política populacional. Você tem uma mulher que está no limite da idade reprodutiva, você tem as histórias individuais. Isso não é política de saúde séria, isso não existe. Não há como ter zero fecundidade. Outra forma de prevenção é o acesso à informação. Saber qual é o tipo de mosquito, que temos picos do mosquito e que são medidas preventivas frágeis. A terceira coisa dentro de política séria é para aquelas que não querem engravidar.

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