Segundo documentos escritos no século 16 pelo frei Bernardino de Sahagún em sua passagem pela Mesoamérica, o consumo de cogumelos alucinógenos era generalizado entre os indígenas. Eles confiavam nos poderes divinos do teonanácatl, como esses fungos eram chamados pelos astecas, para tratar febre, gota e purificar o espírito. A magia curativa e alucinógena deriva da substância psilocibina, que, segundo pesquisadores do Imperial College London, no Reino Unido, tem valor medicinal tão relevante para o futuro quanto o creditado no passado, sobretudo para o tratamento de pacientes diagnosticados com depressão resistente aos medicamentos tradicionais.
O uso recreativo ou medicinal dos cogumelos é contraindicado, sendo potencialmente perigoso em quadros depressivos graves. Nesse contexto, o estudo publicado agora na revista The Lancet Psychiatry foi bem-sucedido: a equipe liderada por Robin Car-hart-Harris conduziu, de forma segura e eficiente, uma investigação clínica sobre os efeitos de duas doses de psilocibina administradas em um intervalo de sete dias em 12 pacientes com depressão persistente. Uma semana depois da experiência, todos os voluntários não apresentavam sintomas da depressão. Três meses depois, sete apresentavam remissão dos sinais da doença e cinco continuavam sem senti-los.
Apesar dos resultados encorajadores, Carhart-Harris é cauteloso e frisa a necessidade de estudos maiores para que os efeitos possam ser traduzidos em medicamentos reais. ;Eu não quero que o público pense que pode tratar a depressão escolhendo seus cogumelos mágicos. Esse tipo de abordagem pode ser arriscada;, adverte o cientista, que se rodeou de cuidados ao realizar o experimento. Os participantes foram, durante os três meses de avaliação, monitorados e acompanhados por psiquiatras. Além disso, todos foram cuidadosamente selecionados e receberam apoio psicológico antes, durante e após a intervenção.
Até a administração da substância foi cuidadosa, em um ambiente positivo: uma sala de enfermaria com cama, luz baixa e música relaxante. Mesmo assim, todos apresentaram alucinações de 30 minutos a 60 minutos após ingerir as cápsulas de psilocibina. O efeito psicodélico atingiu o pico entre duas e três horas, mas os pacientes apresentaram melhora e receberam alta seis horas depois. Efeitos colaterais graves não foram registrados, os voluntários, porém, apresentaram reações adversas esperadas, como ansiedade, confusão, náusea e cefaleia transitórias.
Autorreflexão
A teoria dos cientistas é de que a psilocibina, além de atuar em receptores de serotonina no cérebro, altera o funcionamento da rede de modo-padrão. Hiperativo em pessoas deprimidas, esse mecanismo é associado à capacidade de o indivíduo se voltar ao seu mundo interior e refletir sobre si mesmo. A hipótese, contudo, não exclui a possibilidade de a experiência psicodélica ter provocado uma espécie de ;despertar; espiritual, assim como acreditavam os astecas, permitindo que os participantes se reerguessem da depressão.
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