Quanto mais se sabe sobre a história da Terra, mais evidente fica que uma combinação impressionante de acontecimentos foi necessária para que ela se tornasse um corpo fértil e repleto de vida. Novos estudos dão cada vez mais força à ideia de que um desses pontos é o campo magnético, espécie de escudo invisível, semelhante ao gerado por um ímã, que envolve todo o planeta. Hoje, aponta-se a existência desse fenômeno como crucial para o aparecimento de organismos ; ao lado da distância da Terra em relação ao Sol e do aparecimento de água líquida ;, uma vez que ele é capaz de repelir a radiação cósmica letal que bombardeia nossa casa incessantemente.
Dada a importância do campo, não é de se estranhar que cientistas ao redor do mundo busquem compreender melhor seu funcionamento e sua história. Duas pesquisas publicadas ontem na revista Nature integram esse esforço e apresentam resultados que reforçam a relação entre o surgimento do campo e a existência de vida no Planeta Azul, embora apresentem divergências sobre quando esse escudo teria se formado.
Primeiro, contudo, é preciso entender como o campo magnético se constituiu. A Terra surgiu da união de elementos rochosos que circundavam o Sol quando a estrela era ainda muito jovem. Nesse processo, os elementos mais pesados, especialmente o ferro, afundaram para o centro da esfera, dando origem às diferentes camadas que hoje compõem o planeta: núcleo, manto e crosta (veja infografia).
O núcleo, no entanto, tem duas partes distintas: uma interna, constituída basicamente de ferro sólido, e outra líquida, que reúne principalmente ferro e níquel fundidos. Esse caldo metálico superaquecido está em constante movimentação, devido tanto ao movimento de rotação terrestre quanto ao fato de as camadas superiores e inferiores alternarem continuamente sua posição, à medida que esfriam e se aquecem. É essa agitação metálica, chamada de geodínamo, que gera o campo magnético.
Simulação
Nos dois artigos publicados ontem, os pesquisadores buscaram calcular como o calor se propaga no ferro que forma o centro da Terra. Essa condução térmica, explicam os cientistas, é bem diferente no núcleo do que na superfície, uma vez que, sob o manto, as condições de temperatura e pressão são extremas. Para medir isso, as duas equipes utilizaram um instrumento chamado célula de bigorna de diamante, que permite exercer pressões gigantescas sobre pequenas amostras de qualquer material.
Autor principal de um dos trabalhos e pesquisador do Carnegie Institution for Science, nos Estados Unidos, Alexander Goncharov esclarece a escolha metodológica. ;Sentíamos uma necessidade premente de medições diretas da condutividade térmica de materiais sob condições semelhantes às do núcleo. Mas, evidentemente, é impossível para nós chegarmos sequer perto do centro da Terra e colher amostras;, afirma o cientista em um comunicado à imprensa.
Com a célula de bigorna de diamante, Goncharov e colaboradores conseguiram simular a pressão exercida sobre o ferro que está no interior de planetas com tamanhos semelhantes aos de Mercúrio e da Terra. Já para imitar o calor do núcleo, eles usaram pulsos de laser para aquecer as amostras metálicas. Depois de várias medições, eles puderam estimar a quantidade de energia necessária para sustentar o geodínamo e concluíram que a Terra tinha condições de manter o campo magnético quando ainda era bem jovem, há aproximadamente 3 bilhões de anos (o planeta tem hoje cerca de 4,5 bilhões de anos). Muitas análises apontam que foi justamente nessa época que os primeiros organismos vivos apareceram no planeta.
Discrepância
A complexidade do tema, contudo, fica evidente quando se vê que o outro estudo encontrou um número bem diferente. Usando outro método ; de medição da resistência elétrica ; o grupo encabeçado por Kenji Ohta, do Instituto de Tecnologia de Tóquio, no Japão, mediu uma condução térmica que aponta para o surgimento do campo magnético há 700 milhões de anos. Mesmo assim, mantém-se a relação com o surgimento da vida, pois estima-se que foi nesse período que organismos complexos (pluricelulares) começaram a aparecer na Terra.
Em uma análise sobre os dois artigos feita a pedido da revista Nature, David Dobson, do Departamento de Ciências da Terra da University College London, no Reino Unido, afirma que os resultados discrepantes mostram que a história do campo magnético ainda não foi totalmente esclarecido, permanecendo, de certa forma, um enigma. A diferença de resultados pode indicar algum problema na condução dos experimentos, aponta, mas o especialista ressalta que o trabalho é mesmo muito difícil. ;Esses dois estudos são façanhas experimentais, que mediram propriedades físicas complexas de amostras menores que uma cabeça de alfinete sob pressões maiores que 1 milhão de atmosferas e temperaturas acima de 4.000K (3,7 mil graus Celsius);, escreve.
Goncharov, do Carnegie Institution for Science, lembra ainda que o trabalho está longe de terminar. ;Para entender melhor a condutividade de calor no núcleo terrestre também precisamos avaliar como ela se dá nos materiais não ferrosos que foram arrastados para o centro do planeta quando o ferro afundou;, antecipa o autor.
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