;Mudei tanto, será a idade? Serão os tempos? Perdi aquela necessidade juvenil de me apaixonar toda semana.; No trecho de uma de suas cartas para Maria Lídia Magliani, o escritor gaúcho Caio Fernando Abreu contava para a amiga como deixara, com o tempo, de se interessar por novidades, uma mudança de atitude comum na maioria dos adultos. Agora, uma pesquisa publicada na edição desta semana da revista Current Biology mostra que essa característica do amadurecimento não é exclusiva dos homens e pode ser observada também em macacos.
No estudo, cientistas do Centro Alemão de Primatas realizaram experimentos em que mediram a atenção dos primatas por meio de brinquedos novos e imagens de outros animais. Como resultado, eles notaram que os bichos mais velhos se mostravam bem menos atraídos pelas novidades, mas mantinham a vontade de socializar com antigos conhecidos da mesma espécie.
;O envelhecimento está se tornando um tema cada vez mais quente, e tínhamos alguns dados-piloto a partir de outros estudos com macacos indicando que há algumas mudanças interessantes que ocorrem com a idade;, conta ao Correio Julia Fischer, principal autora do estudo. Com base nesses trabalhos anteriores, ela e a equipe resolveram avaliar 100 macacos-berberes que vivem em La Forêt des Singes (França), um santuário de preservação da espécie, uma das mais sociáveis entre os primatas.
No primeiro teste, a equipe apresentou objetos desconhecidos aos animais, como brinquedos em formato de bichos, um cubo cheio de pedaços plásticos coloridos e um tubo feito de tecidos e que, ao ser manipulado, liberava pequenas quantidades de alimento. Os investigadores observaram que os macacos no início da idade adulta não demonstraram interesse pelas novidades, com exceção da peça que continha comida. Já os indivíduos mais jovens, se sentiam atraídos por todos os objetos.
Na outra parte do experimento, os pesquisadores avaliaram a interação social dos primatas. Isso foi feito de duas formas: mostrando aos bichos fotos de macacos recém-nascidos e medindo a frequência e o tempo de interação uns com os outros. Os autores constataram que a curiosidade pelos filhotes era igual para todas as faixas etárias; no entanto, na hora de escolher com quem iam se relacionar, os mais experientes tinham clara preferência por velhos conhecidos.
;Com o aumento da idade, os macacos se tornaram mais seletivos em suas interações sociais. Eles tiveram menos ;amigos;, mas, curiosamente, ainda estavam interessados no que estava acontecendo em seu mundo social;, analisa Laura Almeling, coautora do estudo e também pesquisadora do Centro Alemão de Primatas.
Alterações fisiológicas
Os investigadores acreditam que os achados podem contribuir para uma nova perspectiva evolutiva sobre por que os seres humanos desenvolvem um interesse mais seletivo à medida que amadurecem. Segundo os autores do trabalho, existe uma teoria segundo a qual pessoas agem com mais triagem aos assuntos a que se dedicam quando sabem que seu tempo de vida útil restante é limitado.
;Nós assumimos que os macacos não são conscientes de seu tempo futuro limitado. Portanto, se eles mostram mudanças motivacionais semelhantes em idade avançada, sua seletividade não pode ser atribuída a esse conhecimento;, diz Almeling. ;Devemos considerar a possibilidade de que alterações fisiológicas podem contribuir para o aumento da seletividade em macacos e humanos;, complementa.
No entanto, para Maria Adelia Oliveira, professora da Faculdade de Fisiologia e Farmacologia da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), o trabalho das cientistas alemãs peca ao supor que os animais não tenham a percepção do que representa o envelhecimento.
;Considerar a falta de consciência de uma finitude da vida como algo exclusivamente humano seria um ponto fraco desse trabalho na minha opinião, já que isso não pode ser provado, é apenas uma suposição. Para levantarmos a questão de alterações fisiológicas, precisamos de mais informações, como dados bioquímicos, hormônios e outras substâncias que podem sofrer alterações, mas acredito que esses especialistas aprofundarão essa questão em estudos futuros;, avalia a especialista, que não participou da pesquisa.
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