Presente em quase todos os cantos do planeta e conhecido por ser praticamente indestrutível, o tardígrado (Hypsibius dujardini) é um minúsculo animal aquático que resiste a temperaturas extremas e sobrevive à quase total desidratação, à ausência de ar e comida e até mesmo às agressivas radiações do espaço.
Agora, cientistas japoneses descobriram mais um "superpoder" do resistente animal: uma proteína que garante proteção do seu código genético aos danosos raios-x. O novo estudo, publicado hoje na revista Nature Communications, também demonstra que essa proteína pode ser usada para proteger o DNA humano dos raios X.
"O mais incrível é que a proteína que dá ao tardígrado essa resistência pode ser transferida para as células de outros animais", disse o autor principal do estudo, Takekazu Kunieda, da Universidade de Quioto (Japão).
Apelidados de "ursos da água" por conta de seu corpo roliço, os tardígrados são invertebrados de oito patas que medem cerca de meio milímetro. Eles se deslocam lentamente e podem viver por 120 anos.
Por sua extraordinária capacidade de adaptação, que lhe permite sobreviver a condições que matariam qualquer outro ser vivo, o tardígrado têm interessado cientistas de várias áreas.
Vários experimentos foram realizados com o pequeno animal. Eles já foram congelados a temperaturas próximas do zero absoluto e, 20 minutos depois de saírem da geladeira, já passeavam como se nada tivesse acontecido. A água fervente não os incomoda.
Tardígrados já foram encontrados na Antártica, congelados por mais de 30 anos e voltaram à vida normal. Em 2007, milhares deles foram lançados em uma nave espacial a 270 quilômetros de altitude. Na volta, não apresentavam qualquer alteração biológica e voltaram a se reproduzir. Eles também sobrevivem tranquilamente a pressões 300 vezes maiores que a da atmosfera e doses mortais de raios ultravioleta não lhes causaram nenhum dano.
Depois de sequenciar o genoma do tardígrado, o grupo coordenado por Kunieda identificou uma proteína que protege seu DNA quando ele é submetido a radiações. Segundo os autores do estudo, só o tardígrado possui essa proteína. Levando o estudo adiante, os cientistas constataram, em laboratório, que essa proteína especial garantia a proteção de células humanas aos raios X.
"É surpreendente ver que um só gene é suficiente para melhorar, em uma cultura de células humanas, sua tolerância às radiações. Achamos que essa proteína pode funcionar como um escudo físico para proteger o DNA humano contra os ataques", disse Kunieda.
Segundo ele, no experimento, o DNA humano sofreu duas vezes menos danos graças à presença da proteína do tardígrado. O primeiro sequenciamento do genoma do tardígrado também sugere que boa parte de seus genes foram adquiridos de outras espécies ao longo da evolução, por um processo que os cientistas chamam de transferência genética horizontal.
Proteção genética
A proteção e o reparo de DNA são considerados componentes fundamentais das células e aspectos centrais em várias doenças humanas, incluindo o câncer e o envelhecimento precoce, de acordo com os autores. Para Kunieda, a descoberta pode um dia ajudar a proteger trabalhadores de radiações em instalações nucleares, ou ajudar a cultivar produtos agrícolas em ambientes extremos.
De acordo com o estudo, o segredo da incrível capacidade de resistência do tardígrado pode estar justamente no seu genoma. Em especial, sua capacidade de resistir à extrema desidratação. O animal é capaz de ficar totalmente ressecado e sobreviver com apenas 1% da água que contém em estado normal. Mas basta uma gota d;água para que ele volte à vida normal.
Segundo Kunieda, quando o tardígrado está desidratado, seu DNA se divide em pequenos pedaços e sua atividade vital cai a 0,01 % da atividade normal. Quando ele é reidratado, no entanto, é capaz de reparar seu próprio DNA danificado. Com o novo estudo, os cientistas acreditam que a incrível tolerância dos tardígrados é consequência de sua capacidade de fazer a transferência genética horizontal.
"A tolerância contra raios X provavelmente é um efeito colateral da adaptação do animal à desidratação severa. Se a tolerância à desidratação pode ser transferida, o que me parece plausível, isso irá revolucionar nossa maneira de preservar materiais biológicos como células, culturas, carnes e peixes, por exemplo", disse Kunieda.